1 INTRODUÇÃO

A pesquisa de preços ocupa posição central no planejamento das contratações públicas. Mais do que um requisito formal, constitui instrumento de racionalidade administrativa e de segurança jurídica, na medida em que viabiliza a fixação de parâmetros realistas para o valor estimado da contratação. Contudo, ao longo dos anos, esse procedimento tem sofrido um processo de crescente burocratização que, em vez de agregar eficiência e precisão, muitas vezes o converte em um mecanismo disfuncional.

Mackaay e Rousseau já advertiam que a relação entre o preço de um bem, seu valor e seu custo representam um problema para o jurista[1]. Se isso é verdade, também parece evidente que a pesquisa de preços é um tema deveras tormentoso na prática das contratações públicas brasileiras, pois, ao estimar custos, o agente público que representa a Administração é induzido a adotar métodos pouco flexíveis e muito burocráticos, através de metodologia comparativa simplista, para identificar a referência para algo extremamente dinâmico e flexível, que é o preço[2].

Exigências redundantes, multiplicação de etapas e formalismos que não aumentam a qualidade da informação, mas apenas ampliam os custos de transação, têm fragilizado a utilidade prática da pesquisa de preços, contrariando a lógica da economicidade que deve nortear a atuação estatal.

Essa disfuncionalidade não decorre apenas de falhas operacionais, mas também de leituras normativas que priorizam uma concepção formalista em detrimento de uma abordagem consequencialista e orientada por eficiência. Outras vezes, a disfuncionalidade é criada por exigências que, sem lastro na legislação, são arbitrariamente criadas por concepções pessoais de agentes públicos que, mesmo quando imbuídos de boa vontade, ignoram os percalços e custos transacionais que prejudicam a eficiência do processo de contratação pública.

Essa tensão evidencia um desafio clássico apontado pela Análise Econômica do Direito: sempre que os custos de observância das normas superam os benefícios que deveriam gerar, o sistema perde eficiência e corre o risco de afastar-se de sua finalidade.

 

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA DE PREÇOS

          A pesquisa de preços constitui um dos pilares da atividade contratual da Administração Pública, fornecendo a base necessária para a fixação de um valor de referência compatível com o mercado relativo a um bem ou serviço[3]. Por essa razão, na hipótese dessa estimativa ser conduzida de maneira inadequada ou ineficaz, o orçamento elaborado pela Administração tende a se afastar da realidade, comprometendo todo o certame.

          Longe de ser uma etapa meramente formal, a pesquisa de preços representa um instrumento de racionalidade administrativa e de segurança jurídica, orientado pelo princípio da eficiência e indispensável para a seleção da proposta mais vantajosa. Além disso, a Lei nº 14.133/2021, trata a estimativa de preços como obrigação expressa, a qual é regulamentada, atualmente, pela Instrução Normativa SEGES/ME no 65/2021.

A legislação licitatória vigente traz, no art. 23, § 1º, os parâmetros a serem observados para a estimativa de preços[4] de compras e serviços em geral, os quais são detalhados no art. 5o da IN 65/2021. Uma das principais diferenças reside no fato de que a regulamentação federal acrescenta dispositivo que prioriza os parâmetros elencados nos incisos I e II do referido artigo (art. 5, § 1º)[5], sem refletir que a indicação do melhor ou dos melhores parâmetros não deveria ser feita a priori, burocraticamente, mas sim identificada pela atuação dos agentes competentes para a realização da pesquisa de preços.

O tratamento meramente formal da pesquisa de preços fragiliza a contratação pública, contribuindo para a assimetria de informações[6] na medida em que os parâmetros de mercado são captados de maneira insuficiente. Multiplicam-se, portanto, os riscos de captação de valores artificialmente altos ou baixos, comprometendo a execução contratual e gerando prejuízos concretos para a Administração Pública.

O Tribunal de Contas da União, com razão, há anos vem advertindo pela necessidade de utilização de uma diversidade de fontes como parâmetro para a pesquisa de preços. A Corte tem feito referência ao conceito de “cesta de preços aceitáveis”, indicando que há diversos métodos de indicação da estimativa de custos e que esta pode (ou deve) utilizar-se dessas variadas metodologias, para alcançar uma estimativa adequada[7].

Nessa linha, o TCU já advertiu que a pesquisa de preços para elaboração do orçamento estimativo da licitação não deve se restringir a cotações realizadas junto a potenciais fornecedores, devendo ser utilizadas outras fontes como parâmetro, a exemplo de contratações públicas similares, sistemas referenciais de preços disponíveis, pesquisas na internet em sítios especializados e contratos anteriores do próprio órgão[8].

Este raciocínio e lastreado na ideia de que as pesquisas de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral devem ser baseadas em uma “cesta de preços”[9]. Mais recentemente, inclusive, o Tribunal entendeu que a pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral realizada apenas por consulta direta a fornecedores, desconsiderando os preços praticados por outros órgãos públicos em contratações similares, sem a elaboração de uma “cesta de preços”, e ainda sem justificativa para a seleção dos fornecedores, desrespeitaria a Lei 14.133/2021[10].

As normatizações em geral têm dado lastro a essas orientações, apresentando multiplicidade de parâmetros para que seja realizada uma “cesta de preços aceitáveis”, com a utilização de fontes diversas[11], embora a normatização federal (IN 65/2021) defina uma utilização prioritária de dois de seus parâmetros[12].

Em vista disso, portanto, torna-se essencial a adoção de ferramentas que assegurem diversidade de fontes, confiabilidade dos dados e rastreabilidade das informações coletadas. Não basta reunir cotações formais, mas também analisar criticamente as informações levantadas[13], com vistas a subsidiar a melhor decisão administrativa.

 

3. UMA CRÍTICA PONTUAL E CONSTRUTIVA AO PARECER REFERENCIAL 06-2025 ELIC-PGF

Por vezes são percebidas orientações que analisam a importante função de estimar custos de maneira formalista, ampliando os custos transacionais desta atividade, sem a devida preocupação com a eficiência do procedimento licitatório ou com gargalos burocráticos disfuncionais criados.

Certas exigências para a realização da pesquisa de preços prejudicam a compreensão funcional dessa atividade. Não são poucos os certames licitatórios desertos ou fracassados, muitas vezes por falha na identificação do preço estimado definidor da baliza máxima de pagamento ofertado pela Administração. Em tantos outros certames, o resultado adjudicado é inferior à metade do valor estimado, o que gera dúvidas sobre a fidedignidade da pesquisa ou sobre a exequibilidade dos preços.

De qualquer forma, a solução para esta aparente ineficiência não está na ampliação das exigências formalistas para sua realização. Muitas dessas exigências, vale frisar, criadas por órgãos qualificados, que na busca por firmar orientações sobre o assunto, por vezes ignoram os efeitos práticos desta orientação.

Nesse diapasão, feitas as breves considerações anteriores, convém produzir uma respeitosa crítica pontual e construtiva à recente orientação encartada pela Procuradoria Geral Federal, digno órgão da AGU, no Parecer Referencial no 00006/2025/GERTEC/ELIC/PGF/AGU, que proferiu questionável orientação jurídica para órgãos assessorados.

Nesse cenário, é impossível avançar em uma crítica sem reconhecer, preliminarmente, a importância institucional da função consultiva exercida pela Advocacia-Geral da União, através de seus órgãos, como a ELIC/PGF. Sua atuação consultiva constitui verdadeiro pilar do regime jurídico-administrativo, pois baliza a conduta de milhares de agentes e assegura um padrão de uniformidade interpretativa em um país marcado pela complexidade federativa e pela pluralidade de órgãos contratantes.

Todavia, é natural — e até salutar — que, em determinados casos, seus entendimentos sejam objeto de debate e crítica construtiva, sobretudo quando se perceba que eles estejam impondo encargos desnecessários à máquina administrativa ou se afastando de soluções mais eficientes e compatíveis com a lógica normativa.

Pois bem, ao realizar recomendações sobre a realização da estimativa de preços dentro do planejamento da contratação, o opinativo, de início, faz correta ponderação acerca das diretrizes a serem observadas na pesquisa de preços, sobretudo ao discorrer sobre os parâmetros elencados na Lei no 14.133 e na IN SEGES/ME no 65/2021[14].

Contudo, posteriormente, notadamente nos parágrafos 86, 87 e 88[15], aborda orientações que estranhamente estabelecem limites à utilização de ferramentas especializadas na pesquisa de preços, adotadas justamente para facilitar a tarefa de realizar uma “cesta de preços”. Segundo a referida manifestação jurídica, tais ferramentas, adotadas para realização da estimativa de custos, pretensamente não seriam fonte primária, mas secundária.

Diante disso, o Parecer, embora admita o uso delas, como ferramenta auxiliar de pesquisa, sugere que sejam juntados “aos autos as informações primárias (Painel de Preços) que confirmem e reforcem a pesquisa realizada nos autos, para pleno atendimento do art. 5º, inciso I, § 1º, da IN SEGES/ME n. 65, de 2021”.

Em outras palavras, embora admita o uso dessas ferramentas, o Parecer recomenda que, ao menos em relação ao parâmetro indicado no inciso I, do § 1º, do art. 5º da IN SEGES/ME n. 65/2021, o trabalho seja refeito (reforçado), impondo aos servidores o retrabalho de realizar nova coleta, dos mesmos preços, agora diretamente no Painel de Preços!

O argumento apresentado pelo Parecer é que, mesmo captando os preços constantes no painel de preços, ferramentas privadas para pesquisa de preços seriam fontes secundárias!

Primeiramente, importa salientar que essas ferramentas privadas de pesquisa de preços oferecem justamente a coleta da “cesta de preços” aceitáveis orientada pelo Tribunal de Contas da União. A construção de uma boa cesta de preços, como bem orientado pelo Tribunal de Contas da União[16], exige a captação de uma pluralidade de fontes, em diversos parâmetros admitidos pela Lei n. 14.133/2021 e a pertinente regulamentação.

Diante da diversidade de contratos pactuados, diferença de porte das entidades e dos próprios mercados envolvidos, uma boa amostragem exige esforço enorme de um bom “pesquisador”, para coletar amostragem que possa trazer preços de referências fidedignos. Em muitos editais, com centenas ou até milhares de itens diferentes, este trabalho é deveras multiplicado e exige o uso de ferramentas tecnológicas que minimamente facilitem essa importante missão, sobretudo para buscar referências nos diversos parâmetros admitidos pela Lei 14.133/2021, cumprindo a correta orientação de levantamento de uma robusta cesta de preços.

Pois bem, diante do desafio de levantamento eficiente dessas informações, o mercado avançou para criar ferramentas tecnológicas que permitem com maior agilidade e amplitude a coleta de diversas fontes, nos variados parâmetros admitidos pela legislação. Para tanto, elas captam os preços publicados e oferecem mecanismos intuitivos para utilização da amostra coletada em uma definição fidedigna de preços de referência.

Usando como exemplo o Banco de Preços, citado expressamente pelo referido Parecer, convém esclarecer que esta é uma ferramenta que capta preços, atendendo aos parâmetros estabelecidos pela Lei n. 14.133/2021, notadamente no parágrafo primeiro de seu artigo 23, diretamente de suas fontes, sem edição ou manipulação dos dados.

Nesse ponto, para atendimento às recomendações do TCU, a grande diferença é que, além dos dados constantes no Painel de Preços, a ferramenta Banco de Preços oferece um acervo extenso com mais de 374 milhões de registros de preços extraídos de fontes oficiais e confiáveis (como o Painel de Preços do Compras.gov.br e outros portais de licitações), além de resultados de licitações de outras organizações públicas (órgãos estaduais e municipais) e bases complementares como tabelas referenciais, notas fiscais eletrônicas e cotações obtidas diretamente.

Essa estrutura permite a obtenção fidedigna de dados, sem qualquer tipo de modificação, em total conformidade com os parâmetros da Instrução Normativa SEGES/MGI nº 65/2021. A ferramenta não gera, não edita e tampouco modifica preços, limitando-se a atuar como um canal de acesso e de sistematização de dados, o que garante uma análise crítica sobre informações autênticas, rastreáveis (inclusive por link informado pela própria ferramenta) e, consequentemente, confiáveis, em conformidade com a Lei no 14.133/2021 e a IN SEGES/MGI nº 65/2021.

Ao exigir que o gestor público repita manualmente uma etapa já realizada com fidelidade e rastreabilidade por ferramenta especializada, apenas para atender ao parâmetro do inciso I do art. 5 da Instrução Normativa SEGES/MGI nº 65/2021, corre-se o risco de burocratizar desnecessariamente a fase preparatória da contratação, contrariando os objetivos da nova legislação de compras públicas e os esforços contemporâneos de digitalização da gestão.

Ademais, com a devida venia, parece ser incorreto o argumento suscitado pelo referido Parecer Referencial, acerca da ausência de condição de primariedade, como justificativa para que a coleta dos preços publicados no Painel de Preços, através de ferramentas privadas, tenha que ser realizada novamente.

Não há na Lei de Acesso à Informação, citada pelo referido Parecer, base para a construção por ele adotada!

É questionável, inclusive, sua utilização para sujeitar entidades privadas que realizam atividade econômica, sem subsídio estatal, uma vez que o legislador claramente sujeita à LAI as organizações públicas e as entidades parceiras, sem fins lucrativos, que recebem recursos públicos[17], pois a ideia do legislador foi garantir que o cidadão e as empresas tenham acesso a informações, em detrimento do Poder Público.

Acerca da qualidade primária da fonte, a referida Lei, no inciso IX do seu art. 4º, define que primariedade é qualidade da informação coletada na fonte, com o máximo de detalhamento possível, sem modificações. No mesmo sentido o Decreto federal n. 7724/2012, que deixa claro que a primariedade está relacionada com a fidedignidade da informação e sua correspondência com aquilo publicado pela fonte inicial.

Como muito bem explicam Márcio Camargo Cunha Filho e Vitor Cesar Silva Xavier, a noção de primariedade está relacionada ao direito do cidadão de “obter informações diretamente na fonte original, sem intermediações”. Os autores citam o exemplo de solicitação para que se tenha direito a obter o inteiro teor de cópia deste despacho, e não a um relato ou descrição indireta de seu conteúdo[18].

Assim, o conceito de primariedade estaria relacionado ao acesso às informações produzidas pela Administração, e não a interpretações ou relatos indiretos. Nesta linha, primariedade tem a ver com originalidade da informação, e não do documento. A reprodução fidedigna de uma informação pública, sem edição, conserva sua condição primária.

Esta parece também ser a conclusão dos referidos autores:

…é preciso salientar que a reprografia ou digitalização de um documento não retira a sua eventual qualidade de primário, na medida em que é réplica autêntica da informação originária. A primariedade é garantia de que a informação foi coletada da fonte, sem modificações, não ensejando necessariamente a disponibilização do documento original. Ou seja, ter direito a informação primária não significa ter direito ao documento original[19]. (Grifo nosso)

 

Há, portanto, uma confusão sobre o tema, na equivocada alusão feita no Parecer, à condição de fonte primária, pelo painel de preços, e de fonte secundária, por ferramentas privadas como o banco de preços.

Apenas a título de argumentação, até porque seria (também) uma exigência despropositada, se o argumento suscitado acerca da primariedade pudesse ser imposto para que agentes públicos pudessem exercer suas competências administrativas, o próprio Parecer Referencial n. 00006/2025/GERTEC/ELIC/PGF/AGU deveria ter anexado as fontes originárias dos diversos textos legais, decisões jurisprudências e normativos em geral, inclusive editados, para que suas remissões fossem validadas pelo órgão assessorado.

Seria esdrúxula esta exigência, sem legítima fundamentação na Lei de Acesso à Informação. Da mesma forma, com o devido respeito, parece inadequada a exigência do aludido Parecer Referencial.

O que o Parecer propõe, na verdade, é uma exigência que atenta contra preceitos da Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), já que, ferindo normas basilares daquele diploma, contraria princípios como “a boa-fé do particular perante o poder público” e contra direitos como o de “gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica”.

A recomendação de que se proceda à juntada manual dos dados diretamente obtidos no Painel de Preços revela-se, na prática, uma etapa redundante, sem respaldo na lei ou na Jurisprudência do Tribunal de Contas da União.

Com o devido respeito à digna Advocacia Geral da União, este trecho em especial não agrega valor à pesquisa de preços nem à atividade administrativa, contribuindo apenas para o aumento dos custos operacionais e da complexidade procedimental – elementos que a própria IN 65/2021 e a doutrina contemporânea buscam reduzir em nome da eficiência administrativa [20]. Nessa linha, Pedro Gonçalves adverte que “a boa administração indica uma ação administrativa conveniente e oportuna; além de conforme à lei e ao direito, a ação da Administração deverá ser correta (racional), pelo que os seus agentes devem agir como “bons administradores”, pautando as suas ações segundo critérios de otimização das respetivas condutas.”[21].

No planejamento das contratações públicas, além do cumprimento das exigências legais, é essencial buscar eficiência e redução de custos transacionais. Nesse contexto, merece melhor reflexão a exigência padronizada de que dados do Painel de Preços obtidos, sem qualquer alteração, por ferramentas privadas de pesquisa de preços precisem ser complementados por comprovações manuais no mesmo Painel.

Além disso, sob a perspectiva da empresa, tal exigência ignora o dever da Administração Pública de garantir a livre iniciativa, criando empecilho ilegal, atentando contra diversos deveres descritos no Art. 4º da Lei n. 13.874/2019[22].

A título de exemplo, vale citar recente posicionamento do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE/PE).

Em 2024, o TCE/PE publicou a RESOLUÇÃO TC Nº 249/2024, que disciplinou procedimentos a serem observados no planejamento das aquisições e na gestão de medicamentos e produtos para saúde no âmbito da Administração Pública estadual e municipal do estado de Pernambuco.

Entre suas disposições, aquela Resolução continha uma regra polêmica, no § 5° de seu Art. 6°, segundo a qual, para a pesquisa de preços em licitações para aquisição de medicamentos, a quantidade mínima de preços da amostra coletada na pesquisa de preços não deveria ser inferior a 30 (trinta), sendo que “o não atendimento deste parâmetro deveria ser justificado individualmente para cada item da contratação”.

Aqueles que conhecem um pouco sobre esses tipos de certame (aquisições de medicamentos) sabem que muitas vezes elas costumam ter milhares de itens licitados! Uma rápida conta aritmética permite refletir sobre o número de fontes captadas necessárias e imaginar o hercúleo trabalho gerado para o agente público responsável, o que não necessariamente contribuiria para que a pesquisa de preços fosse mais eficaz na tarefa de identificar um preço de referência fidedigno para a futura seleção.

Esse dispositivo foi objeto de críticas e, mais recentemente, em julho de 2025, o Egrégio Tribunal de Contas de Pernambuco, sensível às dificuldades práticas criadas pelo dispositivo, corretamente revogou o referido §5º, através da Resolução 288/2025, demonstrando seu compromisso com o constante aprimoramento de sua atuação.

Acredita-se que a Advocacia Geral da União, ciosa sempre na indução de uma ação administrativa eficiente, deveria apresentar similar sensibilidade e rever a orientação apresentada pelo aludido Parecer Referencial no 00006/2025/GERTEC/ELIC/PGF/AGU.

O uso das tecnologias deve ser reconhecido como instrumento legítimo de governança digital, não como fator de insegurança. Ao interpretar orientações jurídicas, a Administração deve adotar critérios proporcionais e evitar que cautelas, mesmo bem-intencionadas, convertam-se em entraves burocráticos, descompassados com a modernização em curso na gestão pública.

 

4. CONCLUSÃO

A análise empreendida evidencia que a pesquisa de preços, longe de ser um simples requisito burocrático, constitui elemento central para a eficiência e a segurança das contratações públicas. Nesse contexto, a utilização de ferramentas privadas de apoio, quando pautada pela fidedignidade e rastreabilidade dos dados, revela-se instrumento legítimo e compatível com os princípios da economicidade e da boa administração.

O Parecer Referencial nº 06/2025/GERTEC/ELIC/PGF/AGU, embora tenha o mérito de buscar uniformidade interpretativa, incorreu em excesso ao qualificar tais ferramentas como fontes secundárias e impor retrabalho desnecessário aos agentes públicos que realizam a relevante e difícil incumbência de realizar a pesquisa de preços para contratações públicas, muitas delas com milhares de itens envolvidos

A exigência de replicação manual de informações já coletadas de modo autêntico e rastreável fragiliza a racionalidade procedimental e amplia custos transacionais, em desacordo com a lógica da Lei nº 14.133/2021, da Lei da Liberdade Econômica e das orientações jurisprudenciais mais recentes.

A crítica aqui exposta não pretende desmerecer a importância institucional da ELIC/PGF/AGU, pelo contrário; o objetivo é contribuir para o aperfeiçoamento de sua atuação consultiva, em sintonia com o processo de digitalização e modernização das compras públicas. Ao reconhecer a legitimidade das soluções tecnológicas desenvolvidas pelo mercado, a Administração fortalece a governança digital, promove maior eficiência e assegura melhores condições para a busca do interesse público.

É, portanto, desejável que o entendimento veiculado no referido trecho do Parecer (notadamente, seus parágrafos 86, 87 e 88) seja objeto de reavaliação, em diálogo aberto com a realidade prática e com os avanços tecnológicos já consolidados. A superação de visões formalistas e a adoção de posturas mais consequencialistas representam passos fundamentais para que a pesquisa de preços cumpra efetivamente sua função: ser instrumento confiável de planejamento, capaz de garantir contratações públicas mais céleres, eficientes e vantajosas.



[1] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 117.

[2] NÓBREGA, Marcos; CAMELO, Bradson; TORRES, Ronny Charles L. de. PESQUISA DE PREÇOS NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS, EM TEMPOS DE PANDEMIA. disponível em:

[3] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 16. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2025. p. 206

[4] “Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.

§ 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não:

I - composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);

II - contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;

III - utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e hora de acesso;

IV - pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;

V - pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.”.

[5] “Art. 5º A pesquisa de preços para fins de determinação do preço estimado em processo licitatório para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral será realizada mediante a utilização dos seguintes parâmetros, empregados de forma combinada ou não:

I - composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente nos sistemas oficiais de governo, como Painel de Preços ou banco de preços em saúde, observado o índice de atualização de preços correspondente;

II - contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;

III - dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que atualizados no momento da pesquisa e compreendidos no intervalo de até 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital, contendo a data e a hora de acesso;

IV - pesquisa direta com, no mínimo, 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, por meio de ofício ou e-mail, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital; ou

V - pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, desde que a data das notas fiscais esteja compreendida no período de até 1 (um) ano anterior à data de divulgação do edital, conforme disposto no Caderno de Logística, elaborado pela Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.

§ 1º Deverão ser priorizados os parâmetros estabelecidos nos incisos I e II, devendo, em caso de impossibilidade, apresentar justificativa nos autos.”.

[6] CAMELO, Bradson; NÓBREGA, Marcos; TORRES, Ronny Charles L. de. Análise econômica das Licitações e Contratos: de acordo com a Lei no 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações). 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2024. p. 224.

[7] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 16. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2025. p. 211.

[8] TCU. Acórdão 713/2019 Plenário(Representação, Relator Ministro Bruno Dantas.

[9] TCU. Acórdão 1875/2021 Plenário (Representação, Relator Ministro Raimundo Carreiro)

[10] TCU. Acórdão 1712/2025 Plenário (Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira)

[11] CAMELO, Bradson; NÓBREGA, Marcos; TORRES, Ronny Charles L. de. Análise econômica das Licitações e Contratos: de acordo com a Lei no 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações). 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2024. p. 227.

[12] Art. 5º. (...)

§ 1º Deverão ser priorizados os parâmetros estabelecidos nos incisos I e II, devendo, em caso de impossibilidade, apresentar justificativa nos autos.

[13] FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CAMARÃO, Tatiana. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei no 14.133, de 1o de abril de 2021. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 333.

[14] BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer Referencial no 00006/2025/GERTEC/ELIC/PGF/AGU. 18.08.2025. fl. 11. A saber:

“81. O art. 23, § 1º, da Lei n. 14.133, de 2021, traz os parâmetros a serem observados para a definição do valor estimado, que podem ser adotados de forma combinada ou não. Tais parâmetros vêm detalhados no art. 5º da IN SEGES/ME n. 65, de 2021, que estabelece que devem ser utilizados os parâmetros dos incisos I e II prioritariamente (art. 5º, § 1º):

Inciso I - composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente nos sistemas oficiais de governo, como Painel de Preços ou Sistema de Compras do Governo Federal.

Inciso II - contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços.

82. Nas duas hipóteses, deve ser observado o índice de atualização de preços correspondente.

83. Caso não seja possível utilizar os parâmetros acima, deve ser apresentada justificativa, nos termos do art. 5º, § 1º, da IN SEGES/ME n. 65, de 2021. Nessa hipótese, devem ser observados os parâmetros adicionais trazidos pelo art. 5º da IN, incisos III, IV e V. 84. Atenção: se for adotada a pesquisa direta com fornecedores (art. 5º, IV), observar as cautelas estabelecidas no art. 5º, § 2º, em especial: juntar aos autos a solicitação formal de cotação feita aos fornecedores, por meio de ofício ou e-mail; manifestação técnica fundamentada acerca da escolha dos fornecedores consultados, constando todas as informações estabelecidas no § 2º do art. 5º; demonstrar que tentou obter preços de referência em sistemas oficiais de governo e em contratações públicas similares (art. 5º, § 1º, da IN SEGES/ME n. 65/2021), bem como justificar a não utilização desses parâmetros preferenciais; que as datas das pesquisas feitas junto aos fornecedores não sejam com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital.

85. Importante: a pesquisa deve (i) registrar a identidade do bem pesquisado com o objeto a ser licitado; (ii) observar as condições comerciais praticadas, como prazos, locais de entrega, instalação, potencial economia de escala, entre outras particularidades que impactem na formação do preço (art. 4º).”.

[15] 86. Alerta-se: a utilização da ferramenta "Banco de Preços" (ou cotação zênite, ou fonte de preços etc.) não atende aos requisitos da legislação, em especial, o art. 5º da IN SEGES/ME n. 65/2021.

87. O Banco de Preços não se trata de informação primária, mas secundária (Lei n. 12.527, de 2011). A fonte primária deve ser o Painel de Compras do Governo Federal (art. 23, § 1º, inciso I da Lei n. 14.133, de 2021, art. 5º, inciso I, § 1º, da IN SEGES/ME n. 65/2021 e Acórdão 718/2018-Plenário). A utilização da ferramenta "Banco de Preços" pode ser feita apenas como mecanismo auxiliar de busca.

88. Caso a Administração utilize o Banco de Preços como ferramenta auxiliar de pesquisa, deverá juntar aos autos as informações primárias (Painel de Preços) que confirmem e reforcem a pesquisa realizada nos autos, para pleno atendimento do art. 5º, inciso I, § 1º, da IN SEGES/ME n. 65, de 2021.

[16] TCU. Acórdão 1875/2021 Plenário.

[17] HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Acesso à Informação. 3 edição. Belo Horizonte, Fórum. 2023. P. 126.

[18] CUNHA FILHO, Márcio Camargo; XAVIER, Vitor Cesar Silva. Lei de Acesso à Informação: teoria e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2041. P. 150.

[19] CUNHA FILHO, Márcio Camargo; XAVIER, Vitor Cesar Silva. Lei de Acesso à Informação: teoria e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2041. P. 150.

[20] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. JUNIOR, Wallace Paiva Martins. Tratado de Direito Administrativo: Teoria Geral e Princípios do Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

[21] GONÇALVES, Pedro Costa. Manual de Direito Administrativo Vol. 1. Coimbra: Edições Almedina, 2019. p. 106)

[22] CAPÍTULO III

DAS GARANTIAS DE LIVRE INICIATIVA

Art. 4º  É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente:

I - criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;

II - redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado;

III - exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado;

IV - redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;

V - aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios;

VI - criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros;

VII - introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas;

VIII - restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei federal; e

IX - exigir, sob o pretexto de inscrição tributária, requerimentos de outra natureza de maneira a mitigar os efeitos do inciso I do caput do art. 3º desta Lei.