A publicação da Lei nº 14.133/2021 acarretou
uma série de inovações e aprimoramentos para as contratações públicas.
Entretanto, a aplicabilidade dessa norma às empresas estatais permanece como um
ponto crítico de debate jurídico e regulatório.
O art. 1º, §1º, da Lei nº 14.133/2021 é
taxativo ao afirmar que a Lei não se aplica às estatais, pois estas entidades
são regidas pela Lei nº 13.303/2016, a Lei das Estatais. Apesar da taxatividade,
estatais têm adotado a Lei nº 14.133/2021 de forma direta ou por analogia,
especialmente para justificar a adoção de condutas mais flexíveis, sem o rigor
formal insculpido no art. 40 da Lei nº 13.303/2016, o que acende um alerta
sobre os riscos da adoção das práticas previstas na Lei nº 14.133/2021 sem a
segurança jurídica de uma normatização no Regulamento Interno de Licitações e Contratos
- RILC da estatal, tema que foi abordado recentemente pelo Acórdão 1008/2025 do
Plenário do Tribunal de Contas da União - TCU.
No voto do Ministro Relator, observa-se um
esforço em conciliar inovação com legalidade, reconhecendo que a Lei nº
14.133/2021 representa avanços, mas que sua aplicação direta por empresas
estatais viola a legalidade: i) pela exclusão das estatais do campo de
aplicação da Lei nº 14.133/2021 nos termos do art. 1º, §1º; ii)
pela omissão das empresas estatais ao adotarem, de forma direta, institutos
inovadores da Lei nº 14.133/2021, sem observar a forma legalmente adequada
estabelecida pela Lei nº 13.303/2016, que é a regulamentação interna
específica, capaz de adaptar tais soluções à natureza do negócio e às
particularidades operacionais da empresa pública ou sociedade de economia
mista.
Para o TCU, ainda que existam zonas não
reguladas pela Lei nº 13.303/2016, a solução não está simplesmente em
“importar” a Lei nº 14.133/2021 em bloco, mas sim em utilizar os instrumentos
da própria 13.303/2016, especialmente o RILC, documento previsto no art. 40
notadamente para regulamentar internamente os procedimentos não disciplinados
pela Lei, mas por ela delegados à discricionariedade normativa interna, como
ato de governança.
O caso concreto envolvia um procedimento de
credenciamento e o Voto destacou que chamou a atenção o fato de uma empresa
pública ter se valido da lei geral de licitações para o procedimento, pois “como
é sabido, a aludida entidade está sujeita à Lei 13.303/2016, havendo expressa
menção no art. 1º, § 1º, da Lei 14.133/2021 de que esta norma não abrange as
empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias”. 
A linha argumentativa do Ministro Relator
reconhece as inovações trazidas pela Lei nº 14.133/2021, no entanto destaca que
as estatais devem evitar recorrer à sua aplicação direta, tanto por uma questão
de legalidade estrita, quanto por respeito à lógica institucional do regime
jurídico próprio das empresas estatais. Nesses casos, eventuais lacunas ou
flexibilizações desejadas devem ser disciplinadas por meio de regulamentos
próprios, conforme autorizado pela Lei nº 13.303/2016, que prevê espaços
normativos legítimos para adaptação procedimental, nos termos do art. 40.
O Voto ainda fez um pertinente alerta: em
situações excepcionais, será admitido que um edital de empresa estatal preveja
a aplicação pontual de dispositivos da Lei nº 14.133/2021, desde que essa
incorporação não contrarie a Lei nº 13.303/2016 nem o regulamento interno
vigente na entidade. Trata-se, assim, de uma possibilidade restrita, que deve
ser adotada com cautela e sempre com base em análise técnica que assegure a
compatibilidade normativa e a sintonia com o regime jurídico próprio das
estatais. Mesmo que a analogia seja admitida em decisões do TCU (Acórdão
533/2022-TCU-Plenário, Acórdão 5495/2022-TCU-Segunda Câmara, Acórdão
844/2025-TCU-Plenário), trata-se de uma solução excepcional, que não deve
substituir a disciplina interna própria exigida pela Lei das Estatais.
Mais do que adotar soluções externas, cabe às
empresas estatais modelarem seus procedimentos com base na autonomia
regulatória que a Lei nº 13.303/2016 tratou como poder-dever, assegurando
segurança jurídica e coerência institucional, pois aplicar diretamente a Lei
14.133/2021 compromete a legalidade e a independência dos regimes jurídicos, especialmente
quando isso ocorre sem respaldo no RILC. 
As empresas estatais podem e devem buscar
formas mais ágeis de contratar, havendo espaço para inovação regulatória. No
entanto, a transição para práticas mais modernas e eficientes não pode ocorrer
à revelia dos instrumentos jurídicos próprios dessas entidades, deve estar
condicionada à construção normativa própria, nos limites da Lei nº 13.303/2016.
O art. 40 da Lei das Estatais garante segurança
jurídica à adoção de novas práticas aos procedimentos de contratação pública,
exigindo que o RILC trate, de forma expressa, das ferramentas incorporadas à
realidade da estatal. A inovação responsável exige, assim, que a estatal
estruture previamente seus procedimentos, de forma transparente e compatível
com sua realidade operacional, o que inclui observar as peculiaridades de seu
regime híbrido (direito público e privado), bem como suas regras de governança,
integridade e gerenciamento de riscos.
O debate sobre a aplicação da Lei nº
14.133/2021 por empresas estatais não é apenas técnico-jurídico; é também estratégico.
O que se busca harmonizar é a autonomia dos regimes jurídicos, a credibilidade
do sistema de contratações públicas e a estabilidade das políticas de
governança e integridade, valores intangíveis trazidos pela Lei nº 13.303/2016.
Em um cenário que mescla a busca por eficiência
e a carência de recursos (humanos e financeiros), é tentador adotar “modelos
prontos” amparados na aparente modernidade de uma nova lei. Mas o verdadeiro
avanço está na construção de regulamentos internos conscientes, alinhados à Lei
nº 13.303/2016 e à realidade da empresa estatal, o que foi sublimado no entendimento
exarado pelo Acórdão 1008/2025 do Plenário do TCU.