Uma boa viagem, sem intercorrências, demanda conhecimento da rota ou um mapa que oriente o caminho a ser trilhado, do início ao destino final. Conhecer o percurso da viagem é essencial, sob pena de despender mais tempo que o necessário ou, até mesmo, não concluir o itinerário[1].
Esta analogia é pertinente no âmbito das organizações: conhecer o caminho e as etapas do processo de trabalho para realizar as melhores entregas, agregar valor ao negócio e atender aos anseios dos destinatários finais é vital para a sustentabilidade das instituições. Sem esse conhecimento e orientação, é inevitável o risco de instaurar-se um distúrbio sistêmico de desencontro de rotas, impactando negativamente nos resultados a serem alcançados.
Um dos pontos mais importantes para o desenvolvimento dos processos de trabalho é a fixação das atribuições, competências e prazos para a prática dos atos. A elaboração e implementação do portfólio de processos é premissa essencial para a fluidez sistêmica. Diversas organizações sofrem com a falta de processos de trabalho alinhados e sistematizados.
É essencial definir as etapas do processo, os atos que deverão ser praticados, os atores que movimentarão essa engrenagem interna e os documentos a serem produzidos. Caso a tramitação do processo e a matriz de responsabilidade não sejam implementadas e padronizadas na organização, o fluxo de documentos fica desorientado, o retrabalho torna-se regra e o desperdício de tempo, recursos e horas técnicas dos agentes e colaboradores resulta em prática comum.
São inúmeras e evidentes as vantagens quando a organização mapeia e customiza seu mostruário de processos institucionais e o transforma em conhecimento a ser adotado por todas as áreas. Desse mostruário de processos e conhecimentos gerados e compartilhados destacam-se: visão sistêmica do processo; adequada definição das áreas e suas atribuições; padronização dos documentos; fixação de prazos; racionalização do processo e redução de tempo de tramitação; realocação de agentes de acordo com suas competências e habilidades comportamentais; eliminação de possíveis gargalos e desperdícios; otimização e celeridade dos fluxos; e melhoria da comunicação entre as partes interessadas.
Para além disso, a fixação do trâmite do processo de trabalho permite a avaliação da segregação de funções, com o propósito de assegurar a verificação cruzada, a qual visa a mitigação de práticas de fraude e corrupção, gestão de riscos e a ocorrência de erros ocultos.
Desse modo, quando há a visão do processo na sua integralidade e identificados os seus gaps, é possível fazer o calibramento e o recálculo da rota, ganhando em eficiência e controle, medidas que vão ao encontro da boa governança.
Como destaca Andrew Grove[2]: "Para aumentar a alavancagem dos processos de trabalho deve ser criado um fluxograma do processo. Em seguida, deve ser definida uma meta aproximada para reduzir o número de etapas. Para implementar de fato a simplificação, você deve perguntar a si mesmo por que cada etapa é necessária. Em geral você descobrirá que muitos passos do processo não têm razão de existir. Talvez só estejam ali por força do hábito ou para seguir algum procedimento formal, sem qualquer justificativa prática para sua inclusão no processo".
Dentro da metodologia disponível para apoiar a implementação dos processos de trabalho, é importante realizar benchmarking com outras empresas, órgãos e entidades públicas e privadas, comparando o desempenho de processos já estruturados, levantando as melhores práticas e identificando bugs a serem evitados. Com fluxos já implantados, orientam-se revisões contínuas nos processos por meio de melhorias incrementais e qualitativas.
A convergência entre propósito, governança, estratégia e processos
O aperfeiçoamento dos processos de trabalho não ocorre no vácuo, mas sim dentro de um contexto organizacional mais amplo, onde propósito, governança e estratégia se entrelaçam. Quando uma organização tem clareza sobre seu propósito – sua razão de existir além do lucro ou da sua missão institucional – seus processos tendem a ser naturalmente alinhados para concretizar esse propósito. A governança eficaz assegura que os processos sejam executados dentro de um arcabouço ético e responsável, enquanto a estratégia fornece o direcionamento para quais processos devem ser priorizados ou modificados.
As organizações de alto desempenho são aquelas que conseguem estabelecer uma linha clara de visão, conectando cada processo à sua estratégia e, por consequência, ao seu propósito central. Essa coerência sistêmica permite que colaboradores em todos os níveis compreendam como seu trabalho contribui para objetivos maiores, elevando o engajamento e a qualidade das entregas. A formulação de processos de trabalho, portanto, deve partir do propósito e da estratégia, garantindo que cada etapa agregue valor genuíno ao resultado esperado.
A inovação nos processos de trabalho surge quando estes são confrontados continuamente com o propósito organizacional. Ao questionar "este processo ainda serve ao nosso propósito?", as organizações abrem espaço para identificar oportunidades de transformação. Esta abordagem vai além da mera otimização incremental, permitindo rupturas positivas que podem redefinir completamente como o trabalho é realizado, sempre com o foco no valor entregue aos stakeholders.
Criando a cultura de melhoria contínua alinhada à estratégia
Para que a melhoria de processos se torne parte do DNA organizacional, é necessário criar uma cultura onde a busca por otimização seja contínua e valorizada. Isso implica estabelecer mecanismos para que os próprios executores dos processos possam propor melhorias, bem como sistemas de reconhecimento que celebrem inovações e simplificações bem-sucedidas. A cultura de melhoria contínua, quando alinhada à estratégia, torna-se um diferencial competitivo sustentável.
O papel da liderança nesse contexto é fundamental. Líderes devem modelar o comportamento esperado, demonstrando abertura para questionar processos estabelecidos e encorajando suas equipes a fazer o mesmo. Quando líderes dedicam tempo e recursos para revisar e aperfeiçoar processos, enviam uma mensagem clara sobre a importância dessa prática. Além disso, ao incluir métricas de eficiência processual nos indicadores estratégicos, reforçam o compromisso organizacional com a excelência operacional.
A transformação digital tem sido uma poderosa aliada na reinvenção dos processos organizacionais. Tecnologias como automação, inteligência artificial e análise de dados permitem identificar padrões invisíveis ao olho humano e implementar melhorias que seriam impensáveis em ambientes analógicos. No entanto, a tecnologia deve ser vista como facilitadora da inovação em processos, e não como um fim em si mesma. O verdadeiro valor surge quando ferramentas tecnológicas são aplicadas a processos já repensados sob a ótica do propósito e da estratégia organizacional.
Partindo da premissa que a busca por avanços nas organizações depende de melhorias procedimentais, deve-se evitar ou revisitar a adoção dos processos muito tradicionais, baseados na lógica cartesiana, com fluxos orquestrados de forma rígida e compartimentalizada e agentes/colaboradores trabalhando nos moldes da arquitetura organizacional de silos, os quais não promovem a interação e o compartilhamento de informações.
Assim, o modal ortodoxo roteirizado de forma segmentada deve ser substituído pela arquitetura organizacional integrada, com a participação de equipe multifuncional e com formações complementares. Como dizem Sandro Magaldi e José Salibi Neto[3], a organização deve estimular as interações entre os agentes, possibilitando extrair informações relevantes que retroalimentam as áreas.
Enfim, há que se migrar do modelo milenar de estruturação dos processos em ilhas, consolidado em algumas organizações, para o modelo interativo, "formado por partes interagentes em uma extensa rede de comunicação e integração. Essas partes formam um todo organizacional, com o propósito de atingir os objetivos da empresa de maneira eficiente e adequada, proporcionando um funcionamento que atenda às suas operações e atividades principais"[4].
Sobre o tema, é importante acentuar que, nos órgãos públicos, não é incomum verificarmos o insulamento burocrático, pois estão habituados a segmentar os processos, loteando as atribuições entre as áreas. Faz parte do dia a dia dos órgãos e entidades públicas a lógica tecnocrata do "sempre foi feito desse modo e funciona". Nesse contexto dos moldes tradicionais, que oferecem uma aparente zona de conforto, reorganizar os processos pode representar o risco de que as coisas deixem de funcionar.
Reclamações dos dirigentes com relação à linha temporal de conclusão dos processos de trabalho, aos custos transacionais elevados e ao impacto negativo da burocracia documental são frequentes. Nesse contexto, vale a ressalva de Guilherme Horn[5]: "os profissionais de uma empresa não podem se acostumar com nada disso, não podem ficar insensíveis a essas coisas", reproduzindo modelos esgotados.
É necessário que as organizações saiam do conforto do trabalho em silos, porque esse modal é prejudicial para o cumprimento dos objetivos estratégicos. Contudo, não se deve desprezar o fato de os agentes/colaboradores estarem habituados ou familiarizados com essa rotina, mesmo ela não se mostrando satisfatória para os envolvidos. As unidades administrativas devem ser tratadas e pensadas de forma integrada e na sua inteireza.
Dito isso, vemos que é uma questão cultural e toda mudança de cultura de uma organização demanda um trabalho específico para tratar a mudança como natural e que gerará resultados mais eficazes para toda a organização. Para que a transformação aconteça, é urgente que se adote o modelo de negócios que privilegia a integração das áreas. Ainda sobre o tema, cumpre esclarecer que há um vasto conjunto de normativos que preveem essa adaptação das organizações à contemporaneidade, em cujo trabalho é imperativo o entrosamento das áreas para a cocriação de documentos e a articulação intersetorial.
A sinergia entre pessoas e processos como catalisador de resultados
O redesenho de processos de trabalho de roupagem clássica e ultrapassada para o modelo baseado na interação entre as áreas não é mera perfumaria. O prejuízo do insulamento das áreas para o cumprimento da missão da organização é claro. A esse respeito, Eric Ries[6], no seu livro Startup Enxuta, destaca a importância de termos a formação de equipes multifuncionais no lugar de departamentos funcionais rígidos, das quais é cobrado um bom desempenho em suas áreas. Esse modus operandi linear de trabalhar em lotes, no qual os funcionários passam o trabalho de um departamento para outro, já demonstrou não funcionar e ser incompleto, pois desconsidera os benefícios das interações, do efeito rede e pode resultar em prejuízos irrecuperáveis para a organização.[7]
A transformação dos processos organizacionais passa, inevitavelmente, pelo elemento humano. São as pessoas que executam os processos e são elas que devem protagonizar sua transformação. Uma abordagem integrada, que considere as competências, motivações e potencialidades das pessoas, eleva os resultados organizacionais a patamares superiores. Quando talentos diversos são articulados em torno de processos bem estruturados, cria-se um ambiente propício para soluções inovadoras e respostas ágeis às mudanças do mercado.
Em última análise, a otimização dos resultados organizacionais deriva da capacidade de alinhar pessoas e processos à estratégia, em um ciclo virtuoso de melhorias contínuas. Este alinhamento não é apenas técnico, mas profundamente cultural. Organizações que conseguem estabelecer uma cultura onde inovação e aperfeiçoamento são valores compartilhados criam as condições para um crescimento sustentável em ambientes cada vez mais complexos e voláteis.
[1] A propósito do tema e servindo de referência para feitura do artigo, recomenda-se a leitura do livro “As contratações de inovação pela Administração Pública à luz do Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador”, publicado pela Editora Fórum.
[2] GROVE, Andrew. Gestão de alta performance: tudo o que um gestor precisa saber para gerenciar equipes e manter o foco em resultados. São Paulo: Benvirá, 2020, p. 68.
[3] Magali, Sandro e Neto, José Salibi. Gestão do amanhã: tudo o que você precisa saber sobre gestão, inovação e liderança para vencer na 4 revolução industrial. São Paulo: Editora Gente, 2018, p. 103
[4] Gestão de Compras e Estoque. p.13
[5] HORN, Guilherme. O mindset da inovação: a jornada do sucesso para potencializar o crescimento da sua empresa. São Paulo: Editora Gente, 2021, p. 22.
[6] RIES, Eric. A startup enxuta. Rio de Janeiro: Sextante, 2019, p. 16.
[7] Magali, Sandro e Neto, José Salibi. Gestão do amanhã: tudo o que você precisa saber sobre gestão, inovação e liderança para vencer na 4 revolução industrial. São Paulo: Editora Gente, 2018, p. 96.