SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Correlação entre infrações-sanções e parâmetros sancionadores; 3. Espécies de sanções na Lei 14.133/2021: roupa semelhante; corpo diferente; 3.1. Advertência; 3.2. Multa; 3.3. Impedimento de licitar e contratar; 3.4. Declaração de inidoneidade; 3.5. Impedimento de licitar e contratar e declaração de inidoneidade: repercussão nas empresas estatais; 4. Devido processo legal e transparência na aplicação das sanções; 5. Desconsideração da personalidade jurídica; 6. Consensualidade e sanções administrativas; 7. Reabilitação nas sanções mais graves e autossaneamento (self-cleaning); 8. Prescrição; 9. Direito Administrativo Sancionador e retroatividade da norma mais benéfica; 10. Conclusões.

 

1. Introdução

A temática relacionada às sanções nas licitações e contratações públicas recebeu, durante muitos anos, tratamento legislativo superficial e repleto de nomas jurídicas abertas, com ampla utilização de conceitos jurídicos indeterminados ou normas de caráter principiológico, o que gerou insegurança jurídica e aplicação de sanções administrativas desproporcionais e anti-isonômicas.

Com a promulgação da Lei 14.133/2021, atual Lei de Licitações e Contratos Administrativos, verifica-se a nítida tentativa do legislador em apresentar tratamento normativo mais detalhado ao tema, inclusive com o tratamento de questões até então esquecidas nas antigas Leis 8.666/1993 e 10.520/2002, revogadas no final de 2023.

Em diversas passagens do texto da Lei 14.133/2021, é possível encontrar o tratamento de temas relevantes, cuja omissão na legislação tradicional criava um cenário de insegurança jurídica, destacando-se, exemplificativamente: a) estipulação de correlação entre infrações e sanções; b) fixação de parâmetros para dosimetria das sanções; c) definição da amplitude federativa das sanções mais graves de impedimento de licitar e contratar e de inidoneidade; d) previsão da consensualidade na aplicação de sanções, inclusive com a utilização de meios adequados de solução de controvérsias (exs: mediação, conciliação, arbitragem etc.) e na viabilidade de reabilitação de empresas impedidas e inidôneas; e) admissão da desconsideração da personalidade jurídica quando utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos na Lei de Licitações ou para provocar confusão patrimonial; e f) estipulação do prazo prescricional quinquenal para aplicação de sanções.

Nesse contexto, o presente artigo pretende explorar o atual regime jurídico das sanções nas licitações e contratações públicas previsto na Lei 14.133/2021, com o intuito de avaliar os avanços legislativos na matéria e os desafios a serem superados pelos diversos entes federados.

Quanto à estrutura, o artigo apresentará, inicialmente, a correlação entre as infrações e sanções na Lei 14.133/2021, bem com os parâmetros sancionadores. Em seguida, o texto abordará as espécies de sanções e o devido processo legal, incluída a transparência na aplicação das sanções. Na sequência, serão apresentadas as considerações pertinentes em relação à desconsideração da personalidade jurídica, consensualidade, reabilitação e prazo prescricional. O trabalho analisará, ainda, a possibilidade de aplicação retroativa das normas mais benéficas da Lei 14.133/2021, que estão inseridas no Direito Administrativo Sancionador, com a apresentação final das conclusões.

2. Correlação entre infrações-sanções e parâmetros sancionadores

No contexto da legislação anterior, a Lei 8.666/1993 se limitava a fixar sanções pela inexecução total ou parcial dos contratos, sem maior preocupação com a aplicação de sanções na fase da licitação, ressalvada a hipótese de penalidade ao licitante (responsabilidade pré-contratual) no caso de recusa injustificada “em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração”, nos termos do art. 81 da antiga Lei 8.666/1993. A Lei 10.520/2002, por sua vez, ainda que tenha avançado na indicação das infrações nas fases da licitação e da execução contratual, apresenta tratamento excessivamente sucinto a respeito do processo administrativo sancionador.

De modo geral, os dois diplomas legais (Leis 8.666/1993 e 10.520/2002), que foram revogados no final de 2023, apresentavam regime jurídico excessivamente superficial e com lacunas, sem abordar pontos relevantes, tais como a fixação de parâmetros sancionadores e a correlação clara entre as infrações e as sanções,

É possível notar que a Lei 14.133/2021 avança em relação à legislação anterior na disciplina das infrações e sanções administrativas, com maior detalhamento das infrações praticadas pelos licitantes e contratadas, a fixação de correlação entre as infrações e as sanções administrativas, bem como a apresentação de parâmetros que devem ser levados em consideração na dosimetria das sanções.

A Lei 14.133/2021 apresenta rol detalhado das infrações administrativas que podem acarretar a responsabilização do licitante ou da contratada. Nesse sentido, o art. 155 da citada Lei prevê a responsabilidade do licitante ou da contratada pelas seguintes infrações: I) dar causa à inexecução parcial do contrato; II) dar causa à inexecução parcial do contrato que cause grave dano à Administração, ao funcionamento dos serviços públicos ou ao interesse coletivo; III) dar causa à inexecução total do contrato; IV) deixar de entregar a documentação exigida para o certame; V) não manter a proposta, salvo se em decorrência de fato superveniente, devidamente justificado; VI) não celebrar o contrato ou não entregar a documentação exigida para a contratação, quando convocado dentro do prazo de validade de sua proposta; VII) ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado; VIII) apresentar declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou prestar declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato; IX) fraudar a licitação ou praticar ato fraudulento na execução do contrato; X) comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal; XI) praticar atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação; e XII) praticar ato lesivo previsto no art. 5.º da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).

Em razão das infrações praticadas pelos licitantes ou contratadas, a Administração Pública, após ampla defesa e contraditório, poderá aplicar as seguintes sanções (art. 156 da Lei 14.133/2021): a) advertência; b) multa; c) impedimento de licitar e contratar; d) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.

Com exceção da multa, que pode ser aplicada em qualquer infração praticada pela contratada, a legislação estabeleceu uma correlação entre as sanções e as infrações administrativas enumeradas no art. 155 da Lei 14.133/2021.

Em relação à advertência, a sua aplicação fica restrita à infração administrativa prevista no art. 155, I (inexecução parcial do contrato), quando não se justificar a imposição de penalidade considerada mais grave (art. 156, § 2.º, da Lei 14.133/2021).

No tocante ao “impedimento de licitar e contratar”, a sanção será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II a VII do art. 155 da Lei de Licitações, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave.

A declaração de inidoneidade, por sua vez, será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos VIII a XII do art. 155 da Lei de Licitações, bem como pelas infrações administrativas previstas nos incisos II a VII referido artigo que justifiquem a imposição de penalidade mais grave.

Na aplicação das sanções serão considerados os seguintes parâmetros (art. 156, § 1º, da Lei 14.133/2021):[1] a) a natureza e a gravidade da infração cometida; b) as peculiaridades do caso concreto; c) as circunstâncias agravantes ou atenuantes; d) os danos causados à Administração Pública; e) a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle. Os parâmetros aqui indicados são relevantes para assegurar a proporcionalidade da sanção. Quanto ao último parâmetro mencionado acima, fica evidenciada a relevância do compliance na Lei 14.133/2021. Além de constituir um parâmetro para aplicação das sanções administrativas, o legislador trata do programa de integridade em outros dispositivos, a saber: a) art. 25, § 4º: exige a sua implementação nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto; b) art. 60, IV: indica a existência do programa de integridade como critério de desempate na licitação; c) art. 163, parágrafo único: exige a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade como condição para reabilitação do licitante ou contratada nas infrações indicadas nos incisos VIII e XII do art. 155 da Lei.

Ao contrário da legislação anterior, que não apresentava rol detalhado de infrações que poderiam ser cometidas pelas licitantes e contratadas, bem como não fixava parâmetros para dosimetria das sanções, limitando-se à indicação abstrata das penalidades que poderiam ser aplicadas na hipótese de ilícito nas contratações públicas.

Nesse ponto, portanto, verifica-se um importante avanço da atual Lei de Licitações no tratamento do tema, notadamente a partir da apresentação detalhada das infrações, dos parâmetros sancionadores e da fixação da correlação entre elas e as sanções que podem ser aplicadas às contratadas, o que confere maior previsibilidade no âmbito da responsabilidade administrativa contratual.

Ainda que se reconheça o avanço da atual legislação no tratamento das sanções administrativas, verifica-se a persistência, em determinados dispositivos legais, de zonas de incertezas, com a utilização de conceitos indeterminados que geram alguma insegurança na sua aplicação (exs: o legislador não elenca quais seriam as circunstâncias agravantes ou atenuantes no art. 156, § 1º, III, da Lei 14.133/2021).[2]  Nesse contexto, a utilização dos regulamentos pelos diversos entes federados pode servir para conferir maior clareza e coerência na aplicação das sanções, com a redução da excessiva discricionariedade administrativa no exercício da atividade estatal sancionadora.[3]  

3. Espécies de sanções na Lei 14.133/2021: roupa semelhante e corpo diferente

Conforme já destacado, as sanções tipificadas no art. 156 da Lei 14.133/2021 são: a) advertência; b) multa; c) impedimento de licitar e contratar; d) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.

As quatro sanções indicadas no art. 156 da Lei 14.133/2021 correspondem, em grande medida, às sanções anteriormente elencadas na legislação anterior (art. 87 da Lei 8.666/1993 e no art. 7º da Lei 10.520/2002). Contudo, a atual legislação efetuou algumas modificações nas referidas sanções e estabeleceu regras detalhadas sobre a aplicação das penalidades administrativas, o que representa importante avanço legislativo no âmbito do poder sancionador do Estado, com a fixação de balizas que garantem maior segurança jurídica e proteção aos direitos fundamentais dos particulares. Apesar da semelhança formal ou aparente, o conteúdo do regime jurídico sancionador na atual legislação é diverso daquele contido nos diplomas legais anteriores. A roupa é semelhante, mas o corpo é diferente.

Destaca-se que a aplicação das sanções representa uma prerrogativa estatal, reconhecida como cláusula exorbitante das contratações públicas (art. 104, IV, da Lei 14.133/2021) e não exclui, em hipótese alguma, a obrigação de reparação integral do dano causado à Administração Pública (art. 156, § 9º, da Lei 14.133/2021).

3.1. Advertência

A advertência é a sanção de menor gravidade e será aplicada apenas na hipótese de inexecução parcial do contrato, quando não se justificar a imposição de penalidade considerada mais grave, na forma do art. 156, § 2º, da Lei 14.133/2021.

Destaca-se a existência de debate tradicional a respeito da pertinência da tipificação da advertência no rol das sanções administrativas, em razão da ausência de efeitos práticos relevantes na legislação anterior.[4] Não obstante a discussão doutrinária a respeito do tema no contexto da legislação revogada, a atual legislação optou por manter a sua natureza sancionatória e reforçou a sua relevância prática.

É possível mencionar, exemplificativamente, alguns efeitos práticos da aplicação da advertência à contratada.

Em primeiro lugar, a advertência pode impactar na dosimetria das sanções na hipótese de inadimplementos sucessivos na execução do contrato. Em consequência, na hipótese de reincidência de ilícito contratual, a contratada poderia sofrer, no segundo inadimplemento, sanção de maior gravidade, funcionando a reincidência como causa agravante da penalidade. 

Em segundo lugar, a advertência pode impactar na avaliação de desempenho da contratada. Ao tratar do registro cadastral, o art. 88, § 3º, da Lei 14.133/2021 estabelece a Administração Pública contratante emitirá documento comprobatório da avaliação do cumprimento de obrigações da contratada, “com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada” (grifo nosso).[5] Assim, a aplicação da advertência tem o condão de impactar negativamente na avaliação de desempenho da contratada, o que acarreta consequências nas futuras participações em licitações. Isso porque a avaliação de desempenho da contratada, na atual Lei de Licitações, é relevante, por exemplo: a) no julgamento por melhor técnica ou por técnica e preço (art. 37, III); b) no desempate entre licitantes (art. 60, II); e c) na demonstração da qualificação técnico-operacional (art. 67, II).

Mencione-se, também, que a advertência pode influenciar na decisão administrativa quanto à prorrogação do contrato em curso, visto que a autoridade competente pode utilizar a aplicação da sanção como argumento para não prolongar a relação contratual com a empresa sancionada e dar início ao processo licitatório para formalização de novo vínculo contratual.

3.2. Multa

A multa, que pode ser aplicada ao responsável pela prática de qualquer infração arrolada no art. 155 da Lei de Licitações, deve ser fixada na forma do edital ou contrato e não poderá ser inferior a 0,5% nem superior a 30% do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta (art. 156, § 3º, da Lei 14.133/2021). Aqui, a atual legislação inova em relação à legislação anterior, com a fixação de limites mínimos e máximos para a multa.

Contudo, o grande abismo entre os patamares mínimo e máximo dos percentuais da multa pode trazer riscos relevantes à segurança jurídica, à proporcionalidade do valor e à isonomia no tratamento diferente de casos semelhantes, abrindo-se o perigoso caminho para definição lotérica dos valores das multas, com o risco de transformar a discricionariedade em arbitrariedade administrativa.

Afigura-se fundamental, portanto, que a multa seja calculada “na forma do edital ou do contrato”, em conformidade com o art. 156, § 3º, da Lei 14.133/2021. A ausência de previsão e detalhamento da multa no edital, eventualmente nos seus anexos, ou no contrato, impede a sua aplicação.[6]

Revela-se oportuna, tal como sugerimos no tratamento dos parâmetros sancionadores, a edição de regulamento para fixação de parâmetros minimamente objetivos que pautarão a definição do valor da multa que deve ser proporcional à intensidade da infração praticada pela contratada.[7]

O art. 156, § 7º, da Lei 14.133/2021, por sua vez, assim como ocorria na legislação anterior, permite que a multa seja aplicada cumulativamente com as demais sanções. É a única sanção de pode ser cumulada com as demais sanções. A aplicação conjunta da multa com o “impedimento de licitar e contratar” e com a “declaração de inidoneidade” faz sentido, em razão dos impactos diversos das sanções: enquanto a multa representa uma sanção de natureza pecuniária, as outras sanções em comento representam restrições temporais de participação da contratada em futuras contratações públicas. A cumulação da multa com a advertência, contudo, não apresentaria, em nossa opinião, sentido lógico e efeito prático relevante, uma vez que a gravidade e os efeitos práticos da multa absorveriam a sanção da advertência. Em outras palavras, a multa já carregaria consigo a admoestação por escrito intrínseca à advertência. Independentemente das ponderações aqui apresentadas, fato é que a legislação permitiu a cumulação da multa com qualquer uma das demais sanções. 

Na hipótese em que a multa aplicada e as indenizações pertinentes forem superiores ao valor de pagamento eventualmente devido pela Administração à contratada, além da perda deste, a diferença será descontada da garantia prestada ou cobrada judicialmente (art. 156, § 8º, da Lei de Licitações).

Registre-se que a multa prevista no art. 156, II, não se confunde com aquela prevista no art. 162 da Lei 14.133/2021. Enquanto a primeira (multa compensatória) é aplicável a partir das infrações indicadas no art. 155 e submete-se aos limites previstos no art. 156, § 3º, a segunda (multa moratória) é aplicada na hipótese de mora da contratada. Em consequência, os limites mínimos e máximos indicados no art. 156, § 3º, da Lei 14.133/2021 são aplicáveis apenas à multa compensatória e não à multa moratória, cujos limites deverão ser fixados no edital e no contrato, na forma do art. 162 da Lei de Licitações.

A multa de mora abordada no art. 162 da Lei de Licitações, que incide no caso de atraso injustificado na execução do contrato, na forma prevista em edital ou em contrato, não impede que a Administração a converta em compensatória e promova a extinção unilateral do contrato com a aplicação cumulada de outras sanções, conforme autorização contida no art. 162, parágrafo único, da Lei de Licitações.

3.3. Impedimento de licitar e contratar

A sanção de “impedimento de licitar e contratar”, por sua vez, será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas no art. 155, II a VII, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, impedindo-o de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que aplicou a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos, em consonância com o disposto no art. 156, § 4º, da Lei 14.133/2021.[8]

Quanto ao prazo da sanção, o legislador promoveu alteração relevante ao fixar o prazo máximo de 3 (três) anos, que é superior ao prazo de 2 (anos) anteriormente indicado no art. 87, III, da antiga Lei 8.666/1993 para a sanção de “suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração” e inferior ao prazo de 5 (cinco) anos até então previsto para o “impedimento de licitar e contratar” no art. 7º da antiga Lei 10.520/2002.

Outro ponto que merece ser destacado refere-se à abrangência federativa da sanção que, na atual legislação, fica adstrita ao “âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção” (art. 156, § 4º, da Lei de Licitações).

É preciso rememorar que, no contexto da legislação anterior, havia intensa controvérsia a respeito da abrangência territorial ou espacial das sanções de “suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração” (atualmente, “impedimento de licitar e contratar”) e a declaração de inidoneidade.

O primeiro entendimento sustentava o caráter restritivo para as duas sanções, com efeitos apenas perante o Ente sancionador, tendo em vista a autonomia federativa e o princípio da competitividade aplicável às licitações.[9]

O segundo entendimento estabelecia uma distinção entre as duas sanções a partir do critério da amplitude dos seus efeitos territoriais. Enquanto a suspensão de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração incidiria apenas em relação ao Ente sancionador (efeitos restritivos), a declaração de inidoneidade produziria efeitos em todo o território nacional (efeitos extensivos). Essa distinção advém dos conceitos de “Administração Pública” e “Administração” que eram consagrados, respectivamente, nos incisos XI e XII do art. 6.º da Lei 8.666/1993. De acordo com a citada Lei, a “Administração Pública” abrange a Administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (XI) e a “Administração” é o “órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente” (XI). Em consequência, ao utilizar a expressão “Administração Pública” para declaração de inidoneidade e “Administração” para suspensão para contratar com o Poder Público, o art. 87 da Lei 8.666/1993 teria instituído uma diferença de amplitude dos efeitos dessas sanções.[10]

O terceiro entendimento, que foi adotado pelo STJ, com fundamento na legislação anterior, apontava o caráter extensivo dos efeitos das duas sanções que impediriam a empresa punida de participar de licitações ou ser contratada por qualquer ente federado.[11]

Com a Lei 14.133/2021, a polêmica mencionada acima é resolvida em favor da distinção entre os efeitos espaciais ou territoriais das duas sanções. De acordo com os §§ 4º e 5º do art. 156 da Lei, enquanto a sanção de “impedimento de licitar e contratar” possui efeito restritivo e impede a participação em licitação ou a contratação da empresa punida no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo sancionador, a sanção de “declaração de inidoneidade” possui efeito extensivo, com o afastamento da empresa sancionada das licitações e contratações promovidas pela Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos.

Por derradeiro, as sanções de “impedimento de licitar e contratar” e “declaração de inidoneidade” possuem efeitos ex nunc (prospectivos), não retroagindo para alcançar contratos em curso formalizados pela sociedade sancionada. Dessa forma, a eventual aplicação das citadas penalidades não tem o condão de acarretar a extinção automática dos contratos em andamento.[12]

3.4. Declaração de inidoneidade

A declaração de inidoneidade, por fim, deve ser aplicada quando houver a prática das infrações administrativas indicadas no art. 155, VIII a XII, bem como pelas infrações administrativas listadas nos incisos II a VII do mesmo artigo que justifiquem a imposição de penalidade mais grave, impedindo a contratada de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 anos (três) e máximo de 6 (seis) anos (art. 156, § 6º, da Lei 14.133/2021).

O primeiro ponto de atenção é a demarcação do lapso temporal da declaração de inidoneidade. Na legislação anterior, o art. 87, IV, da antiga Lei 8.666/1993 limitava-se a fixar o prazo mínimo de 2 (dois) anos da referida sanção, sem estabelecer, contudo, o prazo máximo. A legislação atual avança nesse ponto para estabelecer o prazo mínimo de 3 anos (três) e máximo de 6 (seis) anos.[13] Andou bem o legislador ao fixar prazo máximo para declaração de inidoneidade, uma vez que a ausência de limite temporal no âmbito da Lei 8.666/1993 abria o perigoso caminho para perpetuação de uma sanção, em afronta ao art. 5º, XLVII, b, da CRFB, que proíbe penas de caráter perpétuo.

Em relação ao efeito espacial ou territorial da sanção, conforme destacado anteriormente, optou-se pela manutenção do efeito extensivo da declaração de inidoneidade, com o afastamento da contratada sancionada das licitações e contratações promovidas pela Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos.

No tocante à competência para imposição da declaração de inidoneidade, o art. 155, § 6º, da Lei 14.133/2021 indica a competência exclusiva do ministro de Estado, secretário estadual ou secretário municipal. Nas autarquias e fundações, a competência recai sobre a autoridade máxima da entidade. No âmbito dos Poderes Legislativo, Judiciário e Ministério Público, a competência administrativa exclusiva será da autoridade de nível hierárquico equivalente às autoridades indicadas para o Executivo.

Na aplicação das sanções administrativas, a autoridade competente possui a faculdade de solicitar o auxílio da assessoria jurídica. Todavia, na aplicação da declaração de inidoneidade a análise jurídica prévia afigura-se obrigatória, na forma do art. 155, § 6º, da Lei 14.133/2021.

3.5. Impedimento de licitar e contratar e declaração de inidoneidade: repercussão nas empresas estatais

Destaca-se, aqui, a questão relacionada aos efeitos espaciais das sanções de “impedimento de licitar e contratar” e “declaração de inidoneidade” no âmbito das empresas estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias).

A aplicação das referidas sanções, com fundamento na Lei 14.133/2021, deve repercutir na “Administração Pública direta e indireta” do ente federativo sancionador, no caso do “impedimento de licitar e contratar”, e de todos os entes federativos, na hipótese da “declaração de inidoneidade”. Ao utilizar a expressão “Administração Pública direta e indireta”, o legislador não estabeleceu restrições quanto às referidas entidades, motivo pelo qual a expressão “Administração Pública indireta” deve abarcar todas as suas entidades, quais sejam, as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais. Assim, por exemplo, se a União aplicar o “impedimento de licitar e contratar” à sua contratada, esta não poderá participar de licitações e contratações perante toda a Administração Pública federal, incluídas as empresas estatais federais. Quando aplicada a “declaração de inidoneidade” pela União, a contratada ficará afastada das contratações públicas realizadas por todos os entes federados e suas entidades da Administração Pública indireta, incluídas as empresas estatais federais, estaduais, distritais e municipais.[14]

Em abono à tese apresentada acima, o art. 38, II e III, da Lei 13.303/2016 impede a participação, em licitações e contratações promovidas por empresas estatais, de empresa “suspensa pela empresa pública ou sociedade de economia mista” e “declarada inidônea pela União, por Estado, pelo Distrito Federal ou pela unidade federativa a que está vinculada a empresa pública ou sociedade de economia mista, enquanto perdurarem os efeitos da sanção”.

Se as sanções mais graves tipificadas na Lei 14.133/2021 repercutem nas contratações realizadas pelas empresas estatais, a recíproca não é verdadeira, uma vez que as sanções aplicadas pelas empresas estatais às suas contratadas deverão observar os limites previstos na legislação especial.

Nesse sentido, ao tratar das sanções aplicadas pelas referidas entidades administrativas, o art. 83 da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) prevê três sanções que podem ser aplicadas na hipótese de inexecução total ou parcial do contrato: a) advertência; b) multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; e c) suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a entidade sancionadora, por prazo não superior a 2 (dois) anos.[15] Quanto à abrangência espacial, a “suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar” somente repercute na entidade sancionadora, ou seja, na empresa estatal que aplicou a sanção à contratada, não alcançando outras empresas estatais ou as demais entidades da Administração Pública direta e indireta.

Ademais, ao estabelecer as sanções específicas, que podem ser aplicadas nas contratações realizadas por empresas estatais, o art. 83 da Lei das Estatais não mencionou a “declaração de inidoneidade”, o que exclui a possibilidade jurídica de aplicação dessa sanção mais grave, em atenção ao princípio da legalidade e da impossibilidade de analogia in malam partem para prejudicar a contratada.[16] Frise-se, contudo, que as empresas estatais não poderão contratar empresas declaradas inidôneas, devidamente punidas por entes federativos, na forma do art. 38, III, da Lei 13.303/2016.

4. Devido processo legal e transparência na aplicação das sanções

A aplicação de sanções nas licitações e contratações públicas deve observar os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, consagrados no art. 5º, LIV e LV, da CRFB.

Em regra, após a ocorrência da infração administrativa, a Administração Pública contratante notificará a contratada para apresentar defesa no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data de sua intimação, na forma dos arts. 157 e 158 da Lei 14.133/2021.

É curioso notar, contudo, que a legislação foi omissa em relação ao prazo de defesa para aplicação da sanção de advertência, o que poderia gerar a equivocada conclusão de que não seria necessário respeitar os princípios da ampla defesa e do contraditório, consagrados no art. 5º, LV, da CRFB. Naturalmente, no Estado Democrático de Direito seria inadmissível a aplicação de sanção, ainda que de menor gravidade, sem o respeito aos referidos princípios constitucionais, cabendo à Administração Pública observar a ampla defesa e o contraditório na aplicação da advertência, ainda que estabeleça, em ato normativo específico, prazos menores que aqueles indicados para as demais sanções.[17]

O devido processo legal para aplicação das sanções de “impedimento de licitar e contra­tar” e de “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar” encontra-se detalhado no art. 158 da Lei 14.133/2021. Nesse ponto, o legislador não definiu com clareza o devido processo legal para aplicação das sanções de advertência e multa, limitando-se a estipular o prazo de 15 dias para defesa no processo de aplicação da multa, o que abre caminho para definição pela via regulamentar que pode prever, por exemplo, a competência para instauração, instrução e decisão nos respectivos processos sancionadores.

A aplicação das duas sanções de maior gravidade (“impedimento de licitar e contra­tar” e de “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar”) depende da instauração de processo de responsabilização, a ser conduzido por comissão, composta por 2 (dois) ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e circunstâncias conhecidos e intimará o licitante ou o contratado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da intimação, apresentar defesa escrita e especificar as provas que pretenda produzir, em conformidade com o teor do art. 158 da Lei 14.133/2021.

Em órgão ou entidade da Administração Pública cujo quadro funcional não seja formado por servidores estatutários, a sobredita comissão será composta por 2 ou mais empregados públicos pertencentes aos seus quadros permanentes, preferencialmente com no mínimo 3 (três) anos de tempo de serviço no órgão ou entidade (art. 158, § 1º, da Lei de Licitações).

Ressalte-se, mais uma vez, que a aplicação da sanção mais grave (declaração de inidoneidade) é de competência exclusiva (art. 158, § 6º, da Lei de Licitações): a) do ministro de Estado, secretário estadual ou secretário municipal quando aplicada pelos entes federados; b) da autoridade máxima da entidade, na hipótese de aplicação da sanção por autarquias e fundações; e c) da autoridade de nível hierárquico equivalente às autoridades indicadas para o Executivo, nos casos em que a sanção for aplicada pelos Poderes Legislativo e Judiciário, bem como pelo Ministério Público. Trata-se de competência exclusiva que não pode ser objeto, em regra, de delegação, na forma do art. 13, III, da Lei 9.784/1999.[18]

O legislador, contudo, não definiu a autoridade competente para aplicação das demais sanções (advertência, multa e impedimento de licitar e contratar), o que abre a possibilidade de definição da autoridade competente por meio das normas de organização dos órgãos e entidades estatais que podem definir, por exemplo, que a competência recaia sobre a autoridade responsável pela celebração do contrato ou o ordenador de despesa.[19]

Veja que a Lei de Licitações não estabeleceu exigência idêntica para as sanções de advertência e multa, que podem ser aplicadas nos autos do próprio processo administrativo de licitação ou que acompanha a execução contratual, sem a exigência de formação de comissão de servidores ou que a autoridade sancionadora seja estável.

Na hipótese de deferimento de pedido de produção de novas provas ou de juntada de provas julgadas indispensáveis pela comissão nas hipóteses de imputação à contratada de infrações sujeitas às sanções de “impedimento de licitar e contra­tar” e de “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar”, o licitante ou o contratado poderá apresentar alegações finais no prazo de 15 (quinze) dias úteis contado da intimação (art. 158, § 2º, da Lei de Licitações). Serão indeferidas pela comissão, mediante decisão fundamentada, provas ilícitas, imper­tinentes, desnecessárias, protelatórias ou intempestivas (art. 158, § 3º).

É relevante lembrar que a possibilidade de produção probatória por parte da contratada decorre do princípio da ampla defesa e do contraditório constitucional. Dessa forma, em que pese a Lei de Licitações só indicar o direito à produção de provas no âmbito das sanções mais graves (“impedimento de licitar e contra­tar” e de “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar”), a partir da interpretação conforme a Constituição, o mesmo direito deve ser necessariamente reconhecido à contratada quando acusada de infração ensejadora da sanção de advertência ou de multa.

Aplicada a sanção administrativa, a contratada pode impugnar a decisão por meio de recurso ou pedido de reconsideração. O recurso, que deve ser interposto no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data da intimação, é admitido nas hipóteses em que a contratada é punida com as sanções de advertência, multa e impedimento de licitar e contra­tar (art. 166 da Lei de Licitações).

O recurso será direcionado à autoridade que prolatou a decisão recorrida, que pode reconsiderar a sua decisão no prazo de 5 (cinco) dias úteis ou, caso a opção seja pela manutenção da decisão, encaminhar o recurso com sua motivação à autoridade superior para proferir sua decisão no prazo máximo de 20 (vinte) dias úteis, contado do recebimento dos autos (art. 166, parágrafo único, da Lei de Licitações).

Em relação à declaração de inidoneidade, caberá apenas pedido de reconsideração, que deverá ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data da intimação, e decidido no prazo máximo de 20 (vinte) dias úteis, contado do seu recebimento, na forma do art. 167 da Lei de Licitações.

Cabe frisar que o recurso e o pedido de reconsideração terão efeito suspensivo, na forma do art. 168 da Lei de Licitações. A autoridade competente para julgar o recurso e o pedido de reconsideração será auxiliada pelo órgão de assessoramento jurídico, que deverá dirimir dúvidas e subsidiá-la com as informações necessárias (art. 168, parágrafo único, da Lei de Licitações).

Não obstante o maior detalhamento do processo administrativo sancionador, a Lei 14.133/2021 apresenta algumas lacunas, tal como ocorre na ausência de previsão da revisão administrativa que, normalmente, é admitida a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada, sem a possibilidade de agravamento da sanção. Em que pese o silêncio da Lei 14.133/2021, entendemos que a revisão administrativa seria admitida nos processos administrativos sancionadores nas licitações e contratações públicas, com a aplicação subsidiária do art. 65, caput e parágrafo único, da Lei 9.784/1999, na forma admitida pelo art. 69 do referido diploma legal.[20]

5. Desconsideração da personalidade jurídica

Outro ponto que merece destaque no âmbito do regime jurídico sancionador é a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica quando utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos na Lei de Licitação ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, à pessoa jurídica sucessora ou à empresa, do mesmo ramo, com relação de coligação ou controle, de fato ou de direito, com o sancionado, observados, em todos os casos, o contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de análise jurídica prévia, na forma autorizada pelo art. 160 da Lei 14.133/2021.

Trata-se de medida excepcional que deve ser utilizada com parcimônia, uma vez que a regra é a distinção entre a pessoas jurídica e seus sócios, não cabendo aos sócios, ordinariamente, responder pelos ilícitos imputados à pessoa jurídica, inclusive com fundamento no princípio da intranscendência da sanção, previsto no art. 5º, XLV, da CRFB, segundo o qual a sanção não deve ultrapassar, normalmente, a pessoa do infrator.

Frise-se que a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica por decisão administrativa no âmbito do Direito Público Sancionador encontrava previsão no art. 14 da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção)[21] e era admitida pelos tribunais.[22] Com a Lei 14.133/2021, a mesma prerrogativa passa a ser admitida nos processos administrativos sancionadores nas licitações e contratações públicas.

6. Consensualidade e sanções administrativas

A consensualidade tem caracterizado a Administração Pública contemporânea, inclusive no denominado Direito Público Sancionador.

No âmbito dos processos administrativos sancionadores instaurados para apurar infrações e aplicar as sanções previstas na Lei 14.133/2021, afigura-se juridicamente viável a celebração de acordos com o intuito de mitigar ou afastar eventuais sanções às licitantes e contratadas.

Nesse sentido, por exemplo, o art. 159 da Lei 14.133/2021 dispõe que os atos previstos como infrações administrativas que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) serão apurados e julgados conjuntamente, nos mesmos autos, aplicando-se o rito procedimental e observada a autoridade competente definida na referida legislação.[23] Em consequência, no âmbito da Lei 14.133/2021, é possível a celebração do acordo de leniência com a pessoa jurídica que descumprir, total ou parcialmente, o contrato, com o objetivo de isentar ou atenuar as sanções administrativas elencadas no art. 156 da Lei de Licitações. Não obstante a menção às sanções tipificadas nos arts. 86 a 88 da antiga Lei 8.666/1993, a viabilidade de celebração do acordo de leniência, com fundamento no art. 17 da Lei 12.846/2013, no âmbito da atual Lei de Licitações é justificada pelo art. 189 da Lei 14.133/2021, que prevê a sua incidência nas hipóteses previstas na legislação que façam referência expressa à Lei 8.666/1993.[24]

Mas a viabilidade de acordos no âmbito de processos sancionadores instaurados com fundamento na Lei 14.133/2021 não se restringe às hipóteses em que os ilícitos praticados pelas licitantes e contratadas sejam também tipificados como ilícitos na Lei Anticorrupção. Mesmo nas hipóteses em que as infrações foram tipificadas apenas na Lei de Licitações, seria possível a celebração de acordos para mitigação ou afastamento de sanções, respeitados os limites e parâmetros fixados na legislação que tem previsto, com intensidade crescente, a possibilidade de celebração de acordos decisórios e substitutivos de sanção no âmbito da Administração Pública.[25]

Com efeito, a intensificação da consensualidade no Direito Público Sancionador pode ser justificada a partir da necessidade de efetivação do princípio da eficiência, uma vez que a celebração do acordo acarretaria a substituição da busca incerta da penalização na via administrativa ou judicial pela imediata adoção de comportamento por parte do infrator, em consonância com as finalidades públicas delimitadas pelo ordenamento jurídico e identificadas a partir da interpretação dos órgãos e entidades responsáveis pela investigação. A incerteza quanto aos resultados e os custos inerentes à investigação estatal são reduzidos na celebração do acordo.

Evidentemente que o acordo administrativo não pode ser encarado como um remédio genérico para a cura das mazelas estatais a ser utilizado em qualquer diagnóstico. É preciso que haja justificativa razoável para demonstrar que o acordo, no caso concreto, representa melhor caminho para obtenção dos resultados esperados com os menores custos possíveis, respeitados os limites fixados pelo ordenamento jurídico.

De qualquer forma, a celebração de acordos decisórios ou substitutivos de sanções depende do cumprimento de alguns requisitos, a saber: a) previsão (geral ou específica) na legislação; b) concordância do agente regulado; c) justificativa ou motivação que deve ser expressa no acordo; e d) proporcionalidade, com a demonstração de que a medida alternativa adotada é adequada, necessária e representa melhor custo-benefício que a sanção inicialmente prevista na norma jurídica.[26]

O consensualismo delineador do perfil da atual Administração Pública acarreta mudanças relevantes na atuação administrativa, que deixa de ser marcada exclusivamente pela imposição unilateral da vontade estatal e cede espaço para uma atuação administrativa consensualizada. Em razão da pluralidade de interesses públicos e da necessidade de maior eficiência na ação administrativa, a legitimidade dos atos estatais não está restrita ao cumprimento da letra fria da lei, devendo respeitar o ordenamento jurídico em sua totalidade (juridicidade).

Por essa razão, os acordos decisórios são previstos e incentivados no controle das políticas públicas, tal como ocorre, por exemplo, nos seguintes casos: a) Termo de Ajustamento de Conduta (TAC): art. 5.º, § 6º, da Lei 7.347/1985 (Ação Civil Pública – ACP); b) Termo de Compromisso: art. 11, § 5º, da Lei 6.385/1976 (Comissão de Valores Mobiliários – CVM); c) Acordos terminativos de processos administrativos: art. 46 da Lei 5.427/2009 (Lei do Processo Administrativo do Estado do Rio de Janeiro); d) Termo do compromisso de cessação de prática e acordo de leniência: arts. 85 e 86 da Lei 12.529/2011 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC); e) Acordo de leniência: art. 16 da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção); f) Termo de Ajustamento de Conduta nas câmaras de mediação e conciliação: art. 32 da Lei 13.140/2015 (Lei de Mediação); f) acordos e compromissos administrativos (art. 26 da LINDB, inserido pela Lei 13.655/2018); g) Acordo de Não Persecução Civil (ANPC): art. 17-B da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), incluído pela Lei 14.230/2021; etc.

A consensualidade no controle dos atos administrativos ganhou novo capítulo com a promulgação da Lei 13.655/2018, que incluiu novos dispositivos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), com o objetivo de garantir maior qualidade às decisões estatais e segurança jurídica na gestão e no controle da Administração Pública. De acordo com o art. 26 da LINDB, admite-se a celebração de compromisso com os interessados para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, desde que presentes razões de relevante interesse geral, após a oitiva do órgão jurídico, admitindo-se, quando for o caso, a realização de consulta pública.[27] O referido compromisso, que somente produzirá efeitos após a publicação oficial, deve cumprir as seguintes exigências (art. 26, §1º, da LINDB): a) busca da solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; b) não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; e c) deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.  

A possibilidade de celebração de acordos administrativos, inclusive no campo do Direito Sancionador, já era admitida em normas específicas, conforme demonstrado acima, mas não se pode ignorar a importância do art. 32 da Lei de Mediação e do art. 26 da LINDB que serão utilizados como fundamentos genéricos para os acordos administrativos que não encontravam expressa previsão na legislação especial, inclusive para permitir a consensualidade nos processos sancionadores no âmbitos das licitações e contratações públicas.

7. Reabilitação nas sanções mais graves e autossaneamento (self-cleaning)

É admitida a reabilitação do licitante ou contratado perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, exigindo-se, cumulativamente (art. 163 da Lei 14.133/2021): a) a reparação integral do dano causado à Administração Pública; b) o pagamento da multa; c) o transcurso do prazo mínimo de 1 (um) ano da aplicação da penalidade, no caso de impedimento de licitar e contratar, ou de 3 (três) anos da aplicação da penalidade, no caso de declaração de inidoneidade; d) o cumprimento das condições de reabilitação definidas no ato punitivo; e) análise jurídica prévia, com posicionamento conclusivo quanto ao cumprimento dos requisitos definidos neste artigo.

A reabilitação da sociedade empresária punida com “impedimento de licitar” ou “declaração de inidoneidade” constitui, em síntese, uma extinção antecipada da eficácia das referidas sanções, permitindo que a sociedade punida volte a participar de licitações e contratações públicas antes do prazo inicialmente fixado na sanção.

 Enquanto a legislação anterior restringia a reabilitação à declaração de inidoneidade, na forma do art. 87, IV, da Lei 8.666/1993, a Lei 14.133/2021 permite a reabilitação também para a sanção de “impedimento de licitar”. Contudo, os prazos mínimos para reabilitação são diversos e serão contados da aplicação da penalidade: a) impedimento de licitar e contratar: 1 (um) ano; e b) declaração de inidoneidade: 3 (três) anos.

A sanção pelas infrações previstas no art. 155, VIII (apresentação de declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou de declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato) e XII (prática de ato lesivo previsto no art. 5.º da Lei Anticorrupção), exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável (art. 163, parágrafo único, da Lei 14.133/2021).

Trata-se de importante incentivo para o autossaneamento (self-cleaning) das empresas punidas, que deverão adotar medidas corretivas e preventivas que reduzam o risco de prática de ilícitos para recuperarem a sua condição de potencial contratante do Poder Público.[28] O self-cleaning se fundamenta, em síntese, no consentimento manifestado pela Administração Pública com a “limpeza” da pessoa jurídica, de modo que volte a ser considerada um “agente econômico confiável e passível de travar relações contratuais com o poder público”.[29]

Aqui, abre-se caminho para discussão quanto à razoabilidade de restringir a necessidade de implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade para reabilitação do agente econômico apenas nas duas infrações referidas, especialmente pelo fato de que as demais infrações, que ensejam a declaração de inidoneidade, apresentam grau semelhante de gravidade (além das infrações anteriormente indicadas, ensejam a inidoneidade as seguintes infrações, na forma do art. 156, § 5.º, da Lei 14.133/2021: fraudar a licitação ou praticar ato fraudulento na execução do contrato; comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude de qualquer natureza; e praticar atos ilícitos com vistas a frustrar os objetivos da licitação).

8. Prescrição

A Lei 14.133/2021 estabeleceu regras específicas de prescrição para aplicação das sanções administrativas.

Não obstante a caracterização realizada pelo legislador, que denominou o prazo quinquenal para aplicação das sanções administrativas como prescricional, parece que, de fato, o referido prazo seria propriamente decadencial, uma vez que a inércia administrativa acarretaria a perda do direito de sancionar o licitante ou contratado na esfera administrativa.[30] Enquanto a prescrição acarreta a perda da pretensão perante o Poder Judiciário, a decadência enseja a perda do direito que, na hipótese em comento, seria o direito de punir no âmbito administrativo.

De qualquer forma, o legislador optou pela caracterização formal do prazo como prescricional. A prescrição ocorrerá em 5 (cinco) anos, contados da ciência da infração pela Administração, e será (art. 158, § 4º): a) interrompida pela instauração do processo de responsabilização a que se refere o caput; b) suspensa pela celebração de acordo de leniência, nos termos da Lei 12.846/2013; c) suspensa por decisão judicial que inviabilize a conclusão da apuração administrativa.

No âmbito da antiga Lei 8.666/1993 não havia previsão específica de prazo prescricional para aplicação das sanções. Sempre sustentamos que as sanções deveriam ser aplicadas den­tro do prazo prescricional quinquenal, com fundamento na aplicação analógica das normas legais que estabelecem prazo de prescrição nas relações jurídico-administrativas (exs.: art. 1º da Lei 9.873/1999; arts. 173 e 174 do CTN; art. 21 da Lei 4.717/1965; art. 23, I, da Lei 8.429/1992; art. 46 da Lei 12.529/2011; Decreto 20.910/1932; art. 24 da Lei 12.846/2013 – Lei Anticorrupção etc.).[31]

Com a redação do § 4º do art. 158 da Lei 14.133/2021, resta consagrada a tese da prescri­ção quinquenal.[32] Contudo, o citado parágrafo refere-se às sanções de “impedimento de licitar e contratar” e de “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar”, indicadas no caput do dispositivo, sem alcançar, a priori, as demais sanções. Apesar do silêncio da Lei, entendemos que o mesmo prazo deverá ser observado para aplicação da advertência e da multa.[33]

9. Direito Administrativo Sancionador e retroatividade da norma mais benéfica

As infrações e sanções previstas na Lei 14.133/2021 encontram-se inseridas no âmbito do denominado Direito Administrativo Sancionador, assim como ocorre, por exemplo, com a Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa),[34] a Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e os regimes disciplinares dos Estatutos dos servidores públicos.

Aliás, o  Direito Público é repleto de normas jurídicas que tipificam sanções pela prática de atos ilícitos. Destacam-se no campo do Direito Público Sancionador, o Direito Penal e o Direito Administrativo Sancionador. O exercício do poder punitivo do Estado seria pautado por duas teorias (ou estratégias) principais:[35] a) teoria preventiva ou dissuasória: influenciada pelo movimento da Análise Econômica do Direito (Law and Economics), busca, de forma pragmática e consequencialista, justificar a sanção como instrumento de imposição de custos e incentivos econômicos, que deve impor custos às pessoas, com intensidade suficiente para inibir a infração à ordem jurídica (abordagem prospectiva ou forward-looking); e b) teoria retributiva: a sanção é percebida como forma de punição ou castigo ao infrator da ordem jurídica, independentemente dos custos envolvidos na sua aplicação (abordagem retrospectiva ou backward-looking).  Enquanto predomina (não é exclusividade) o viés retributivo do Direito Penal, no Direito Administrativo Sancionador o caráter preventivo seria preponderante.

Outra diferença, que seria discutível em determinados casos, seria a maior gravidade das sanções penais quando comparadas às sanções administrativas. A assertiva, repita-se, é bastante discutível, especialmente se considerarmos a gravidade das sanções de improbidade administrativa, que não possuem natureza penal.

Independentemente das eventuais tentativas de distinção entre os dois campos principais do Direito Público Sancionador, é possível sustentar que os dois ramos jurídicos decorrem de um ius puniendi estatal único, inexistindo diferença ontológica, mas apenas de regimes jurídicos, em conformidade com a discricionariedade conferida ao legislador.[36]

As sanções penais e administrativas, em razão de suas semelhanças, submetem-se a regime jurídico similar, com a incidência de princípios comuns que conformariam o Direito Público Sancionador, especialmente os direitos, as garantias e os princípios fundamentais consagrados no texto constitucional, tais como: a) legalidade, inclusive a tipicidade (art. 5º, II e XXXIX; art. 37); b) princípio da irretroatividade (art. 5º, XL); c) pessoalidade da pena (art. 5º, XLV); d) individualização da pena (art. 5º, XLVI); e) devido processo legal (art. 5º, LIV); f) contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV); g) razoabilidade e proporcionalidade (art. 1º e art. 5º, LIV) etc.[37]

No rol exemplificativo, destaca-se o princípio da irretroatividade previsto no art. 5º, XL, da CRFB, que dispõe: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Não obstante a expressa referência à “lei penal”, o referido princípio deve ser aplicado, também, ao Direito Administrativo Sancionador, inclusive no âmbito do regime sancionador previsto na Lei de Licitações. Dessa forma, as normas sancionadoras mais benéficas previstas na Lei 14.133/2021 devem retroagir para beneficiar as contratadas que praticaram ilícitos antes da sua entrada em vigor.[38]

A aplicação da retroatividade da norma sancionadora mais benéfica encontra previsão, ainda, no art. 9º do Pacto de São José da Costa Rica, que não restringe a incidência do princípio ao Direito Penal, motivo pelo qual seria plenamente possível a sua aplicação às ações de improbidade administrativa.[39]

Conforme sustentamos em outra oportunidade, no âmbito do processo administrativo, a vedação da retroatividade da nova interpretação administrativa, prevista no art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei 9.784/1999, fundamenta-se na necessidade de proteção da boa-fé e da confiança legítima do administrado, o que não impede a retroatividade da nova interpretação desde que esta seja favorável aos administrados. Assim, por exemplo, a nova interpretação no campo do Direito Administrativo Sancionador que beneficie determinado particular ou agente público, punido em processo administrativo anterior, pode retroagir para abrandar ou afastar a sanção.[40]

Registre-se que tibunais superiores possuem precedentes que admitem a aplicação do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica no Direito Administrativo Sancionador.[41] Destaca-se, nesse ponto, que o STF, no julgamento do do Tema 1.199 de repercussão geral, decidiu pela retroatividade mitigada das normas mais benéficas de improbidade administrativa inseridas pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/1992. Naquela oportunidade, a Suprema Corte limitou a retroatividade da norma mais benéfica introduzida pela Lei 14.230/2021, que revogou a modalidade culposa de improbidade, aos fatos anteriores que não ensejaram condenação transitada em julgado. Verifica-se, portanto, que o STF restringiu a retroatividade da norma mais benéfica de improbidade, que extinguiu a modalidade culposa, aos processos em curso, sem condenação transitada em julgado, afastando a retroatividade das normas mais benéficas de prescrição.[42]

O mesmo raciocíno deve ser aplicado às normas sancionadoras mais benéficas  previstas na Lei 14.133/2021 que, assim como ocorre com as normas da Lei de Improbidade Administrativa, também encontram-se inseridas no Direito Administrativo Sancionador, destacando-se, por exemplo:[43] a) art. 156, § 5º: limita o prazo máximo da declaração de inidoneidade, o que não ocorria na legislação anterior; b) art. 168: confere efeito suspensivo aos recursos e pedidos de reconsideração interpostos contra as decisões que aplicam sanções, o que difere do regime jurídico anterior que não atribuia, obrigatoriamente, o citado efeito.

É preciso lembrar, contudo, que a questão permanece controvertida. A Orientação Normativa 78/2023 da AGU, por exemplo, afirmou: “O regime jurídico das sanções previstas na Lei n.º 14.133, de 2021 não é aplicável aos contratos firmados com base na legislação anterior, nem alterará as sanções já aplicadas ou a serem aplicadas com fundamento na legislação anterior, em respeito à proteção do ato jurídico perfeito.”

De nossa parte, como já sublinhado, sustentamos a aplicação do princípio da retroatividade da norma sancionadora mais benéfica ao Direito Administrativo Sancionador, incluindo, portanto, as normas sancionadoras da Lei 14.133/2021, com fundamento na interpretação adequada do art. 5º, XL, da CRFB e do art. 9º do Pacto de São José da Costa Rica.

10. Conclusões

Conforme demonstrado no presente estudo, o regime jurídico sancionador consagrado na Lei 14.133/2021 apresenta importantes avanços em relação à legislação anterior ao estabelecer tratamento normativo mais detalhado ao tema, garantindo maior segurança jurídica aos participantes de licitações e contratações públicas, além de prestigiar a eficiência e a consensualidade na atuação estatal.

Em diversas passagens da atual legislação é possível perceber os referidos avanços, que foram abordados ao longo do presente artigo, tais como: a) estipulação de correlação entre infrações e sanções; b) fixação de parâmetros para dosimetria das sanções; c) definição da amplitude federativa das sanções mais graves de impedimento de licitar e contratar e de inidoneidade; d) previsão da consensualidade na aplicação de sanções; e) admissão da desconsideração da personalidade jurídica por decisão administrativa; e f) estipulação do prazo prescricional quinquenal para aplicação de sanções.

Não obstante os avanços da atual legislação no tratamento das sanções administrativas, o texto normativo, em determinados momentos, insiste na utilização de previsões excessivamente abstratas, que acarretam insegurança jurídica e colocam em risco a isonomia no tratamento das partícipes das licitações e contratações públicas.

Nesse ponto, destacou-se no presente artigo que a utilização dos regulamentos pelos diversos entes federados pode conferir maior clareza e coerência na aplicação das sanções, com a redução da excessiva discricionariedade administrativa no exercício da atividade estatal sancionadora.

De qualquer forma, repita-se que a Lei 14.133/2021 apresenta tratamento jurídico mais adequado no campo do Direito Administrativo Sancionador que aquele até então previsto na legislação anterior.

O desafio é compatibilizar os avanços normativos com a realidade administrativa, motivo pelo qual a Administração Pública deve capacitar os seus agentes públicos e interpretar a atual legislação sem ficar presa ao passado, abrindo-se caminho para que as licitações e contratações públicas sejam mais seguras e eficientes. Igualmente, os órgãos de controle, interno e externo, na medida do possível, devem evitar a interpretação retrospectiva da Lei 14.133/2021 e atuar com certa deferência para as interpretações promovidas pela Administração Pública, prestigiando o caráter pedagógico em vez da visão punitivista.

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[1] Não obstante as Leis 8.666/1993 e 10.520/2002 serem silentes em relação aos parâmetros sancionadores, poderia ser aplicado, à época, o art. 22, §§ 2º e 3º, da LINDB: “Art. 22.  (...) § 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.”

[2] Em alguns casos, o próprio legislador remete o tratamento do tema ao regulamento. Mencione-se, por exemplo, o art. 156, § 1º, V, da Lei 14.133/2021 que indica, como parâmetro sancionador, “a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle” (grifo nosso). Em âmbito federal, o Decreto 12.304/2024 dispõe sobre os parâmetros e a avaliação dos programas de integridade, nas hipóteses de contratação de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, de desempate de propostas e de reabilitação de licitante ou contratado, no âmbito da Administração Pública federal.

[3] Alguns entes federativos já editaram regulamentos específicos para detalhamento dos procedimentos para aplicação e apuração de sanções da Lei 14.133/2021, destacando-se, exemplificativamente: Decreto Rio 51.635/2022 (Município do Rio de Janeiro), Decreto 16.189/2023 (Estado de Mato Grosso do Sul), Decreto 441/2024 (Estado de Santa Catarina), Decreto 20.783/2024 (Município de Rio Grande). Em outros casos, os entes federados se limitaram a estabelecer regulamentos que, no ponto das infrações e sanções administrativas, repetem, em grande medida, as disposições contidas na Lei 14.133/2021.

[4] Nesse ponto, Ronny Charles critica a previsão da advertência como sanção administrativa na Lei 14.133/2021. Segundo o autor: “A advertência não possui efeito sancionatório. Sua pálida repercussão moral não a qualifica como uma sanção administrativa. Diante da ausência de repercussão jurídica dada à advertência, foi um erro legislativo tratá-la como sanção. Na prática, ela será aplicada quando, ao final do processo, verificar-se que não cabe a aplicação de efetiva sanção.” TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Comentadas, 12 ed. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 760.

[5] De acordo com o § 4º do art. 88 da Lei 14.133/2021, a referida anotação do cumprimento de obrigações pela contratada será condicionada à implantação e à regulamentação do cadastro de atesto de cumprimento de obrigações, que permita a realização objetiva do registro, incentivando os licitantes que possuírem ótimo desempenho anotado em seu registro cadastral.

[6] Nesse sentido: TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Comentadas, 12 ed. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 761.

[7] Nesse sentido, o art. 6º  do Decreto 441/2024 do Estado de Santa Catarina, por exemplo, fixou parâmetros mais precisos em relação à definição do percentual da multa: “Art. 6º A sanção de multa será aplicada ao responsável por qualquer das infrações administrativas previstas no art. 155 da Lei federal nº 14.133, de 2021, calculada na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato, não podendo ser inferior a 0,5% (cinco décimos por cento) nem superior a 30% (trinta por cento) do valor contratado, observando-se os seguintes parâmetros: I – de 0,5% (cinco décimos por cento) a 1% (um por cento) do valor contratado, para aquele que: a) deixar de entregar a documentação exigida para o certame; b) não mantiver a proposta, salvo em decorrência de fato superveniente devidamente justificado; II – 10% (dez por cento) sobre o valor contratado, em caso de recusa do adjudicatário em efetuar o reforço de garantia contratual; III – 20% (vinte por cento) sobre o valor da parcela do objeto não executada, em caso de inexecução parcial do contrato; IV – 20% (vinte por cento) sobre o valor contratado, em caso de: a) apresentação de declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato; b) fraude à licitação ou prática de ato fraudulento na execução do contrato; c) comportamento inidôneo ou fraude de qualquer natureza; d) prática de atos ilícitos com vistas a frustrar os objetivos da licitação; e) prática de ato lesivo previsto no art. 5º da Lei federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013; f) não celebrar o contrato ou não entregar a documentação exigida para a contratação, quando convocado dentro do prazo de validade de sua proposta; g) ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado; h) entrega de objeto com vícios ou defeitos ocultos que o torne impróprio ao uso a que é destinado, ou diminuam-lhe o valor ou, ainda, fora das especificações contratadas; i) dar causa à inexecução parcial do contrato que resulte em grave dano à Administração, ao funcionamento dos serviços públicos ou ao interesse coletivo; j) dar causa à inexecução total do objeto do contrato”.

[8] Lembre-se que, durante a decretação de estado de calamidade pública, o art. 13, §§ 2º e 3º, da Lei 14.981/2024, autoriza, excepcionalmente, a contratação de sociedade empresária punida com a sanção de impedimento ou de suspensão de contratar com o Poder Público, quando a empresa, comprovadamente, for a única fornecedora do bem ou prestadora do serviço, exigindo-se, nesse caso, a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 96 da Lei 14.133/2021, que não poderá exceder a 10% do valor do contrato.

[9] Nesse sentido e levando em consideração o contexto da Lei 8.666/1993, vide: SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo contratual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 355; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações comentadas. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 953 e 961; Enunciado 21 da Procuradoria do Estado do RJ: “Não serão admitidas na licitação as empresas punidas, no âmbito da Administração Pública Estadual, com as sanções prescritas nos incisos III e IV do art. 87 da Lei 8.666/1993”.

[10] A partir do texto da Lei 8.666/1993, vide: PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 886. TCU, Acórdão 3.439/2012, Plenário, Min. Rel. Valmir Campelo, data do julgamento: 10/12/2012; TCU, Acórdão 2.962/2015, TCU-Plenário, Min. Rel. Benjamin Zymler, data do julgamento: 18/11/2015.

[11] No âmbito da legislação anterior, vide: STJ, 2.ª Turma, REsp 151.567/RJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 14.04.2003, p. 208; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 213.

[12] Nesse sentido, por exemplo: STJ, AgInt na SS 3.342/PA, Rel. Min. Humberto Martins, Corte Especial, DJe 05/04/2022; MS 14.002/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 06/11/2009; MS 13.101/DF, Rel. Min. José Delgado, Rel(a). para Acórdão Min(a). Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 09/12/2008. No âmbito da legislação anterior, a AGU editou a Orientação Normativa 49/2014 com o seguinte teor: “A aplicação das sanções previstas no artigo 87, incisos, III e IV, da Lei nº 8.666, de 1993, no artigo 7º da Lei nº 10.520, de 2002, e no artigo 156, III e IV, da Lei nº 14.133, de 2021, possuem efeito ex nunc, não afetando por si só os contratos em andamento, competindo à Administração avaliar a possibilidade de sua extinção unilateral caso existente justificativa.”

[13] É oportuno sublinhar que o TCU, no exercício de suas prerrogativas, pode aplicar a sanção de declaração de inidoneidade, com prazo máximo de 5 (cinco) anos, quando comprovada a prática de fraude, na forma do art. 46 da Lei 8.443/1992. Não obstante a utilização de nomenclatura idêntica, a declaração de inidoneidade aplicada pelo TCU não se confunde com aquela prevista na Lei 14.133/2021. Enquanto a sanção prevista na Lei 8.443/1992 é aplicada pelo TCU e possui prazo máximo de 5 (cinco) anos; a declaração de inidoneidade tipificada na Lei 14.133/2021 é aplicada por entidade da Administração Pública direta e indireta e o prazo da sanção pode variar de 3 (três) a 6 (seis) anos.

[14] De forma semelhante, Ronny Charles sustenta que a sanção deve alcançar também as empresas estatais pertencentes à unidade federativa do órgão ou entidade que aplicou a sanção, “visto que não houve qualquer ressalva do legislador em relação às estatais e elas farão parte da Administração Pública indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção”. TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Comentadas, 12 ed. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 762. Da mesma forma, Juliano Heinen aduz “que os efeitos das penas aplicadas com base na lei geral (Lei 14.133/21) podem afetar as empresas estatais, porque, por exemplo, o § 4º do art. 156 fala em ‘Administração Pública indireta’, sem qualquer distinção. Mas a recíproca não é assim implementada. No caso, as penas aplicadas pelas empresas estatais terão sua eficácia condicionada pela legislação específica mencionada (v.g. Estatuto das empresas Estatais)”. HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 757/758. Em sentido contrário, Marçal Justen Filho afirma: “As sociedades estatais empresárias encontram-se submetidas ao regime da Lei 13.303/2016. A Lei 14.133/2021 indicou expressamente os casos em que as suas disposições seriam aplicáveis a tais sociedades. Entre eles, não se encontram os casos de sancionamento por impedimento e por inidoneidade. (...) Não se contraponha que a Lei 14.133/2021 alude à extensão dos efeitos à Administração indireta. Essa expressão indica as autarquias e fundações públicas. A interpretação é confirmada pela previsão do § 6º, inc. I, do art. 156. Ali está prevista a aplicação da sanção no âmbito da Administração direta, das autarquias e das fundações. Não existe referência às sociedades estatais”. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1.625.

[15] Note-se que o prazo para “suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar” indicado no art. 83 da Lei 13.303/2016 permanece inalterado, uma vez que a alteração do prazo promovida pela Lei 14.133/2021 não afetou o regime jurídico especial sancionador indicado na Lei das Estatais.

[16] PEREIRA JUNIOR; Jessé Torres; HEINEN, Juliano; DOTTI, Marinês Restelatto; MAFFINI, Rafael. Comentários à Lei das Empresas Estatais: Lei 13.303/16, 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 701.

[17] Em sentido semelhante: JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1.637.

[18] Lei 9.784/1999: “Art. 13. Não podem ser objeto de delegação: (...) III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.”

[19] Em âmbito federal, o art. 17 da Lei 9.784/1999 dispõe: “Inexistindo competência legal específica, o processo administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir”. No contexto da legislação anterior, a Orientação Normativa 48/2014 da AGU dispunha: “É competente para a aplicação de penalidades previstas nas Leis nº. 10.520, de 2002, 8.666, de 1993, e 14.133, de 2021, excepcionada a sanção de declaração de inidoneidade, a autoridade responsável pela celebração do contrato ou outra prevista em regimento.”

[20] Em sentido semelhante, vide: MARRARA, Thiago. Infrações, sanções e acordos na nova Lei de Licitações. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Coord.). Licitações e contratos administrativos: inovações da Lei 14.133 de abril de 1º de abril de 2021, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 493/495.

[21] Lembre-se, ainda, que, no Direito Privado, a desconsideração da personalidade jurídica por decisão judicial já era autorizada pelo art. 50 do Código Civil e pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. No âmbito judicial, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é regulado nos arts. 133 a 137 do CPC.

[22] No contexto da legislação anterior, o STJ decidiu: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS. - A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída. - A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. - Recurso a que se nega provimento.” (Grifo nosso. STJ, RMS 15.166/BA, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 08/09/2003 p. 262). Igualmente, o TCU possuía precedentes que admitiam a desconsideração da personalidade jurídica utilizada de forma abusiva ou fraudulenta (TCU, Acórdão 1.327/2012, Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, data da sessão 30/05/2012; Acórdão 1.831/2014, Plenário, Rel. Min. José Mucio Monteiro, data da sessão 09/07/2014).

[23] A respeito do acordo de leniência, vide: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Improbidade administrativa, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 369-373; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 13. ed. Rio de Janeiro: Método, 2025, p. 927-930.

[24] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e Contratos Administrativos: teoria e prática, 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 227.

[25] Vide, por exemplo: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A consensualidade no Direito Público Sancionador e os acordos nas ações de improbidade administrativa. Revista Forense, v. 427, p. 197-218, 2018; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. Os acordos substitutivos do procedimento sancionatório e da sanção. RBDP, ano 8, n. 31, Belo Horizonte, out.-dez. 2010; SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos nas sanções regulatórias. RDPE, ano 9, n. 34, Belo Horizonte, abr.-jun. 2011; GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Art. 26 da LINDB - Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. Revista de Direito Administrativo, p. 135–169, 2018.

[26] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Novo perfil da regulação estatal: Administração Pública de Resultados e Análise de Impacto Regulatório, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 205.

[27] LINDB: “Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. § 1º O compromisso referido no caput deste artigo: I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; II - (VETADO); III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.”

[28] Sobre o tema: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende; CARMO, Thiago Gomes do. O Self-Cleaning e a sua aplicação sob a perspectiva da Lei 14.133/2021. Solução em Licitações e Contratos – SLC, v. 51, p. 39-52, 2022. No Direito Comparado, o autossaneamento é previsto na Diretiva nº 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (“Diretiva europeia”), que trata dos contratos públicos e revoga a Diretiva 2004/18/CE. No item 6, artigo 57 (“Motivos de Exclusão” no processo de seleção dos participantes e adjudicação dos contratos) da referida Diretiva europeia, estão previstas as premissas aplicáveis em geral ao instituto jurídico do self-cleaning: UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/eli/dir/2014/24/2022-01-01>. Acesso em 21 de fevereiro de 2025.

[29] SCHWIND, Rafael Wallbach. Self-Cleaning: A Reabilitação de empresas impedidas de participar de licitações no Brasil. Revista do CNMP, n. 6, 2017, p. 138.

[30] De modo semelhante: TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Comentadas, 12 ed. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 776.

[31] Sobre o tema: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos: teoria e prática. 14. ed. São Paulo: Método, 2025, p. 227.

[32] Marçal Justen Filho qualifica o referido prazo com decadencial e não prescricional, uma vez que o prazo se relaciona com o direito de punir e não com a formulação de pretensão no âmbito judicial. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1.642.

[33] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos: teoria e prática. 14. ed. São Paulo: Método, 2025, p. 227.

[34] No âmbito da improbidade administrativa, o § 4º do art. 1º da Lei 8429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021 determina a aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador ao sistema da improbidade. Sobre a inserção das sanções de improbidade no Direito Administrativo Sancionador, vide: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A consensualidade no Direito Público Sancionador e os acordos nas ações de improbidade administrativa. Revista Forense, n. 427, jan./jun. 2018, p. 197-218; OSÓRIO, Fabio Medina. Corrupción y mala gestión de la res publica: el problema de la improbidad administrativa. Revista de Administración Pública, n. 149, maio/ago. 1999, p. 495.

[35] VORONOFF, Alice. Direito Administrativo Sancionador no Brasil: justificação, interpretação e aplicação. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 81-95.

[36] Nesse sentido: OLIVEIRA, Regis Fernandes. Infrações e sanções administrativas. 2. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 19-20; MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: as sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 76; OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 155. A respeito do ius puniendi estatal único, Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández afirmam que o “mesmo ius puniendi do Estado pode se manifestar tanto pela via judicial como pela via administrativa. GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo, v. 2, 9. ed. Madri: Civitas, 2004, p. 163.

[37] No mesmo sentido: BINENBOJM, Gustavo. O direito administrativo sancionador e o estatuto constitucional do poder punitivo estatal: possibilidades, limites e aspectos controvertidos da regulação no setor de revenda de combustíveis. Revista de Direito da Procuradoria Geral. Rio de Janeiro, edição especial: Administração Pública, risco e segurança jurídica, 2014, p. 470. De forma semelhante, Rafael Munhoz de Melo sustenta que a utilização de expressões próprias do direito penal em diversos incisos do art. 5.º da CRFB não impede a sua aplicação ao Direito Administrativo Sancionador, uma vez que os princípios jurídicos neles vinculados seriam corolários do Estado de Direito e sequer necessitariam de menção expressa no texto constitucional. MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: as sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 104.

[38] Sustentamos a mesma tese na interpretação da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), alterada pela Lei 14/230/2021:  OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende; HALPERN, Erick. A retroatividade da lei mais benéfica no Direito Administrativo sancionador e a reforma da lei de improbidade pela Lei 14.230/2021. Soluções em Direito Administrativo e Municipal, v. 4, p. 47, 2022; NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Improbidade Administrativa, 10. edição, Rio de Janeiro: Forense, 2024, item 2.6.

[39] O art. 9.º do Pacto de São José da Costa Rica, na forma do anexo ao Decreto 678/1992, dispõe: “Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado.”

[40] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Precedentes no Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 135.

[41] Nesse sentido, por exemplo: “DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. (...) III – Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/2003, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente. IV – Dessarte, cumpre à Administração Pública do Município de São Paulo rever a dosimetria da sanção, observando a legislação mais benéfica ao Recorrente, mantendo-se indenes os demais atos processuais. (...) VI – Recurso em Mandado de Segurança parcialmente provido.” (Grifo nosso). STJ, RMS 37.031/SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 20.02.2018. Em outra oportunidade, a partir dos princípios do Direito Sancionador, o STJ aplicou a novatio legis in mellius no âmbito do processo administrativo disciplinar. STJ, AR 1.304/RJ, Rel. p/ Acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 26.08.2008.

[42] Tema 1.199 de repercussão geral do STF: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9.º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – dolo. 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é irretroativa, em virtude do artigo 5.º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente. 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. É preciso destacar, contudo, que, após o julgamento do Tema 1.199, o STF julgou o Tema 309 de repercussão geral e decidiu que “o dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária”. No referido julgamento, o STF declarou a inconstitucionalidade da modalidade culposa da improbidade prevista na redação originária da LIA, com efeitos retroativos (efeitos ex tunc), o que gera insegurança jurídica, uma vez que abre a possibilidade de desfazimento, por meio de ações rescisórias, das condenações por improbidade culposa, contrariando, inclusive, o que restou decidido no Tema 1.199 que havia determinado a retroatividade mitigada na norma que extinguiu a improbidade culposa.

[43] De forma semelhante: ZARDO, Francisco. Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos: Inovações da lei 14.133/21. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/346095/infracoes-e-sancoes-em-licitacoes-e-contratos-administrativos>. Acesso em: 19/02/2025; PEDRA, Anderson Sant’Ana. A nova lei de licitação e a (im)possibilidade de conjugação dos regimes sancionatórios à luz do Direito Administrativo sancionador. Disponível em: <https://www.novaleilicitacao.com.br/2024/04/17/nova-lei-de-licitacao-e-impossibilidade-de-conjugacao-regimes-sancionatorios-direito-administrativo-sancionador/>. Acesso em: 19/02/2025.